Cabo Delgado: Alegações de abusos por tropas "já conhecidas"
30 de setembro de 2024Um artigo divulgado pelo portal POLITICO, com sede nos Estados Unidos, volta a trazer à discussão o respeito pelos direitos humanos na província moçambicana de Cabo Delgado.
O artigo denuncia alegados homicídios cometidos, em 2021, por militares moçambicanos contra civis que tentavam escapar de confrontos entre os militares e insurgentes. Os homicídios terão sido cometidos em Afungi, perto de um complexo da petrolífera Total.
Em entrevista à DW, João Feijó, investigador da ONG Observatório do Meio Rural, diz que o artigo apenas vem reforçar antigas denúncias de violação dos direitos humanos na província. O analista frisa que não acredita que tanto a petrolífera francesa desconhecesse esta realidade, ao contrário do que disse a Total no fim de semana.
DW África: Como olha para estas denúncias do portal POLITICO?
João Feijó (JF): Isto remonta ao período de 2021. Esse comportamento dos militares moçambicanos nesses anos – entre 2020 e 2021, ou mesmo antes – já estava muito bem documentado. Não constitui propriamente uma surpresa. Houve relatórios da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional que já denunciavam práticas deste género, de extorsão de valores monetários à população, de ameaças, chantagens e desaparecimentos.
DW África: Acredita que é um comportamento que se tem perpetuado e que continue a haver casos semelhantes?
JF: De uma forma genérica, a situação melhorou significativamente. Naquela altura, os abusos eram gritantes. Os nossos militares estavam, de facto, perdidos.
É preciso ver que eles também são vítimas disto, porque eles também não têm a logística necessária, o armamento necessário, a inteligência, a formação, a organização interna e, se calhar, a liderança. Eles não compreendem o sentido da guerra, não são capazes de distinguir população civil de população guerrilheira. Eles assistiram aos seus colegas a serem assassinados, degolados. Então, eles próprios também estavam muito nervosos e revoltados, queriam vingar-se e acabaram por descarregar em cima da população. Não se pode é falar muito sobre este assunto, de uma forma muito frontal, aqui em Moçambique, porque as pessoas têm medo.
DW África: A TotalEnergies foi confrontada e diz que não foi informada sobre a situação. Acredita que a empresa esteja alienada do caso?
JF: Escolheu bem a palavra "alienada". Eu não acredito que a Total esteja alienada de uma realidade destas. Eles têm perfeita consciência do comportamento da tropa. Funcionários da Total com quem eu falei disseram-me que houve zonas do acampamento que foram pilhadas, portanto eu não acredito que a Total não soubesse deste tipo de excessos.
Aquela população ali a sul de Afungi contava abertamente os excessos que foram cometidos pelas Forças de Defesa e Segurança, e não acredito que a Total não tivesse ouvido este tipo de histórias.
DW África: Entretanto, a Comissão Europeia disse que pediu elementos de clarificação sobre este caso. Espera uma reação por parte do Governo moçambicano?
FJ: Normalmente, a política do Governo é não comunicar, é ficar em silêncio em relação a estas situações. E agora estão todos em campanha eleitoral e deverão evitar tocar nesse assunto. Vamos também entrar num período de mudança de Presidente, vai ficar tudo na expetativa do que será a atitude do novo Presidente. Então, eu presumo que não existirão grandes comunicados.
Agora, o próprio comunicado da União Europeia também me parece meramente político, com aquele cinismo político que conhecemos. Eu não acredito que a União Europeia, que tem representação aqui em Moçambique, não estivesse informada sobre aqueles excessos.