O gás moçambicano já está a ser exportado do Rovuma, em Cabo Delgado. Para o economista Thomas Selemane, há uma "estabilidade que interessa aos grandes investidores", mas não se pode negar a "onda de ataques na região".
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O Presidente moçambicano Filipe Nyusi anunciou, no último domingo (13.11), o arranque da exportação de gás da Bacia do Rovuma e disse ser um momento histórico para o país e também um reconhecimento do "ambiente estável" vivido na região, apesar de boa parte da população ainda viver sob ameaça terrorista.
Mas até que ponto há essa estabilidade citada por Nyusi? Ouvimos o economista moçambicano Thomas Selemane, que acredita que esta é uma estabilidade relativa e diz que a economia local tira zero proveito com os projetos do gás.
DW África: Há, de facto, um "ambiente estável" na região dos projetos do gás, como citou Nyusi?
Thomas Selemane (TS): Estabilidade que interessa aos grandes investidores, como é o caso do megaprojeto da dimensão da exploração de gás, numa operação que decorre a cerca de 50 quilómetros dentro do mar, ou seja, muito longe da terra e numa zona praticamente inacessível para as pessoas da região. É uma estabilidade relativa no sentido de que é uma estabilidade que diz respeito a quem investe e diz respeito à operação do projeto. Então, não é uma estabilidade que se possa contrapor à realidade socio político-militar que existe em Cabo Delgado nos últimos cinco anos.
E essa estabilidade a que o Presidente refere é estabilidade macro, do ponto de vista nacional, olhando para Moçambique como um todo, sem particularizar as regiões fustigadas pelo terrorismo dentro da província de Cabo Delgado. E eu não penso que essa afirmação sirva para negar a onda de ataques terroristas que existe na região.
DW África: A plataforma liderada pela petrolífera italiana Eni vai produzir 3,4 milhões de toneladas por ano. Quando e quanto Moçambique poderá contar com o lucro do gás?
TS: Os problemas de Moçambique não acabaram nem vão acabar com estes projetos. Então a discussão mais pertinente para mim seria que mecanismos é que o país tem fora do quadro fiscal para reter ganhos provenientes dessa indústria?
DW África: Que mecanismos sugere?
TS: Os mecanismos que devem ser adotados de países como a Austrália, Canadá, Estados Unidos, Noruega e Malásia é estabelecer ligações entre o megaprojeto com o resto da economia nacional.
DW África: Que influência tem na rentabilidade das empresas locais, já que o PR fala em possíveis investimentos multibilionários que Moçambique procura ter?
TS: É praticamente nula. A economia local de Cabo Delgado tira zero proveito da presença dentro desse projeto. O único ganho que o Estado tem neste momento ligado a esse projeto é a tributação que tem que esperar.
DW África: A crise de gás na Europa pode ser uma oportunidade para Moçambique?
TS: Representa uma grande oportunidade e uma onda crescente de procura e de necessidade do gás moçambicano. Mas isso de novo é fator favorável para a BP, que vai vender o gás. O ganho de Moçambique vai sempre depender de quanto é que a BP consegue ou não vender, em adição ao que já foi acordado anteriormente no contrato de compra e venda.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.