Cabo Delgado: Ligação ao Estado Islâmico "não está clara"
Lusa
23 de março de 2021
Analistas internacionais que observam o conflito armado em Cabo Delgado consideram que não está clara a ligação entre os rebeldes que têm aterrorizado a região do norte de Moçambique e o grupo jihadista Estado Islâmico.
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"Embora haja evidências de que o Estado Islâmico (EI) teve contacto com jihadistas em Moçambique, não está claro o quão próximos ou significativos sejam os seus laços", refere um documento do International Crisis Group, a propósito das designações terroristas atribuídas pelos Estados Unidos da América (EUA) em 10 de março.
"A forma de disseminação de propaganda não sugere vínculos especialmente próximos", refere o grupo de analistas, destacando que uma das maiores conquistas dos rebeldes, a ocupação de Mocímboa da Praia em agosto de 2020, passou ao lado dos meios do EI durante duas semanas. Por outro lado, o EI "não reivindicou qualquer ataque como seu desde outubro".
A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado
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Os analistas recordam ainda um relatório divulgado no ano passado por investigadores da Organização das Nações Unidas (ONU) na Somália, segundo o qual Mohamed Ahmed "Qahiye", membro de um grupo dissidente do Al-Shabaab ligado ao EI, viajou para Moçambique no início de 2020.
"Fontes ligadas à segurança regional dizem que ele é fabricante de bombas e instrutor, mas, embora os ataques em Cabo Delgado se tenham tornado mais sofisticados, o grupo ainda não mostrou ter capacidades acrescidas ao nível dos dispositivos explosivos", acrescentam. O documento destaca ainda a prevalência de tanzanianos entre os rebeldes de Cabo Delgado.
Sanções dificilmente afetarão insurgentes
Os analistas referem que as sanções anunciadas pelos EUA dificilmente deverão afetar os insurgentes, que usam dinheiro vivo ou através de operações por telemóveis.
As medidas poderão, no entanto, afetar operações humanitárias, devido ao seu enquadramento legal, apesar de fonte da ONU ter dito à Lusa no dia 18 que tal não será um obstáculo.
O International Crisis Group sublinha ainda que as sanções não são de fácil compreensão e podem ser usadas por quem defende uma opção puramente militar para levar avante opções reforçadas de repressão armada do conflito.
A violência armada em Cabo Delgado, onde se desenvolve o maior investimento multinacional privado de África, para a exploração de gás natural, está a provocar uma crise humanitária com cerca de 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?