Cabo Delgado: INGD pede a deslocados que produzam alimentos
Lusa
9 de dezembro de 2021
"Não sabemos até quando [os nossos parceiros] vão dar comida", alerta a presidente do Instituto Nacional de Gestão de Desastres. Luísa Meque lança um apelo aos deslocados para intensificarem a produção agrícola.
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A presidente do Instituto Nacional de Gestão de Desastres (INGD) em Moçambique, Luísa Meque, apelou na quarta-feira (08.12) a deslocados em Cabo Delgado para intensificarem a produção agrícola, por forma a deixarem de depender de doações. "Cada casa poderá ter espaço para uma horta e isso já vai mudar um pouco a dieta", referiu, numa alusão a lotes de terreno atribuídos para habitações de caniço e barro.
"Não sabemos até quando [os nossos parceiros] vão dar comida. Então, temos de criar uma base sustentável para minimizar o défice de alimentação que temos", disse aquela responsável, durante uma visita a um centro de deslocados de guerra em Cabo Delgado, situado em Metuge, junto à capital provincial, Pemba. No centro de Nangua 2 estão cerca de quatro mil deslocados, que chegaram sobretudo em agosto.
Apesar da contínua "procura" por parceiros, "há de chegar o momento em que não conseguiremos" ter doações, alertou. Como muitos deslocados são oriundos de "zonas de produção", agora, nos lotes de terreno que recebem, "vão conseguir fazer alguma coisa", referiu, num apelo para que, apesar das dificuldades em Cabo Delgado, não deixem de praticar a agricultura de subsistência, prática comum à maioria das famílias moçambicanas.
1,8 milhões em insegurança alimentar aguda
A distribuição de sementes e outros consumíveis agrícolas tem feito parte de algumas doações na província. Mas os números refletem necessidades urgentes sem resposta: as autoridades moçambicanas estimam que mais de 1,8 milhões de pessoas vivem numa situação de insegurança alimentar aguda no país, das quais cerca de um milhão em Cabo Delgado.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) tem anunciado um apoio alimentar humanitário à maioria, mas devido à falta de recursos, as quantidades entregues correspondem a 39% da energia diária de cada pessoa.
Durante a visita a Metuge, Luísa Meque alertou ainda para a intensificação da época das chuvas, que decorre de outubro a abril, e para o facto de haver centros de deslocados (como Nangua 2) em locais propensos a cheias. "Se chover um pouco mais, esta zona vai estar alagada. O nosso apelo é que saiam para locais mais seguros", concluiu.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?