Chefe da polícia diz que o "terrorismo sempre vai existir"
DW (Deutsche Welle)
5 de outubro de 2022
O chefe da Polícia da República de Moçambique admite que há um longo caminho a percorrer para acabar com os ataques em Cabo Delgado. Isto, apesar da fragilização e fragmentação dos terroristas, comenta Bernardino Rafael.
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Cinco anos depois das primeiras incursões terroristas no norte de Moçambique, os insurgentes estão hoje mais fragilizados e fragmentados, afirma o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael.
Mas o terrorismo é um fenómeno complexo, acrescenta o responsável. "O terrorismo sempre vai existir, porque é uma ideologia. Não é só a ação. Ideologia é difícil de remover", diz.
Segundo Rafael, "vão existir aqueles ataques esporádicos. Eles podem escolher um alvo e atacar, como [acontece] nos Estados Unidos, na Alemanha e noutros países. Mas o que nós negamos e dissemos que temos que conseguir é [impedir que os terroristas] tenham uma zona em que só eles dominam."
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PRM admite dificuldades no início da insurgência
Os ataques no norte de Moçambique começaram em outubro de 2017. Cerca de quatro mil pessoas morreram devido à violência e mais de um milhão de habitantes fugiu das suas zonas de origem.
O comandante-geral da PRM reconhece que, quando os ataques começaram, as Forças de Defesa e Segurança tiveram enormes dificuldades no combate ao grupo, porque não sabiam quem era o inimigo que atacava as populações.
"Eles foram ocupando algumas zonas estratégicas na fase em que nós estávamos a estudar e a tentar reforçar a capacidade de defesa da nossa pátria, uma vez que não estávamos preparados para enfrentar esta situação", explica.
Descoberto o "modus operandi" dos rebeldes, Bernardino Rafael diz que as forças de segurança iniciaram operações de grande magnitude para desalojar os atacantes que já se haviam posicionado em sítios de difícil acesso.
"Eles estavam estruturados e nós começamos a desestruturá-los", comenta Rafael.
Ataques alastram-se para outras zonas
Em 2021, o combate ao terrorismo conheceu um novo impulso, com a entrada de parceiros militares do Ruanda e da missão dos países da África Austral.
De acordo com o chefe máximo da polícia moçambicana, essa combinação de forças permitiu retirar o grupo armado em pontos considerados estratégicos que eram ocupados pelos terroristas, como Diaca, Awasse, a vila sede de Mocímboa da Praia, Nakidungue, Mbau, Siri 1 e Siri 2, e mais recentemente, a base de Katupa, nas matas densas do distrito de Macomia.
Ainda assim, o terrorismo continua a assolar as populações e expandiu-se territorialmente para outros distritos da região sul de Cabo Delgado e zonas fronteiriças da província vizinha de Nampula.
O comandante-geral da PRM tem uma explicação: "[Os terroristas] estão a morrer todos os dias, já não têm força para combater e estão à procura de recrutar. Nessa incursão, eles matam, vão queimando casas, mas não têm força para combater as Forças de Defesa e Segurança, nem a população. Eles agora estão a radicalizar as crianças."
População em fuga no norte de Moçambique
01:59
Crianças e jovens são recrutas "frágeis"
O ativista social Abudo Gafuro tem acompanhado a assistência humanitária aos deslocados internos nos últimos cinco anos. E lembra que a falta de oportunidades de formação e emprego para os jovens, camada social mais apetecível para os terroristas, torna-os vulneráveis ao aliciamento.
Gafuro defende, por isso, que as autoridades devem acabar com essas fragilidades.
"Tem de haver um processo [de criação de oportunidades] de emprego para os jovens. Porque, quando os jovens estiverem ocupados a fazer alguma coisa, não irão pensar em pegar em armas para poder protagonizar esses ataques que estão a fazer", afirma o ativista em declarações à DW.
Em suma, Abudo Gafuro apela ao Governo que se aproxime mais das camadas mais necessitadas e vulneráveis da sociedade, onde a presença governamental é vista como diminuta.
Questionado sobre as motivações de quem está a atacar o norte moçambicano, o comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael, disse acreditar que os terroristas "não têm outro objetivo" a não ser "desestabilizar o Estado moçambicano".
Admitiu também motivos religiosos: "É uma seita chamada 'Ahal Sunna All Jamat', em que todo aquele que não segue essa linha é um descrente. Precisa de criar um califado onde só existe esse tipo de pessoas", disse.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.