Cabo Delgado: CIP critica contratação de empresas militares
Maria João Pinto
14 de dezembro de 2020
Centro de Integridade Pública acusa Governo moçambicano de contratar empresas militares privadas para combater a insurgência em Cabo Delgado "sem prestar contas aos cidadãos" e com um "desempenho desastroso no terreno".
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No mais recente relatório da organização não-governamental moçambicana, divulgado na sua página oficial, o Centro de Integridade Pública (CIP) critica a contratação de empresas militares privadas pelo Governo de Moçambique para combater a insurgência em Cabo Delgado "a coberto de segredo do Estado" e "sem prestar contas aos cidadãos".
O CIP lamenta a escassez de informação relativa aos gastos do Governo com estas empresas, citando a imprensa internacional para afirmar que o Executivo moçambicano "vai estender pela segunda vez" o contrato com a Dyck Advisory Group, uma empresa militar sul-africana "que desde abril auxilia as Forças de Defesa e Segurança no combate à insurgência em Cabo Delgado" e, ao mesmo tempo, "terá contratado outra empresa sul-africana, a Paramount".
A agravar a situação, continua a ONG, "o desempenho destas empresas no terreno é visivelmente desastroso". Segundo o CIP, "desde que o Governo começou a recoerrer aos militares privados para auxiliar as FDS e a Polícia (...) o poder dos insurgentes cresceu visivelmente".
O CIP acusa o Governo moçambicano de recorrer a estas contratações desde setembro do ano passado através da lei que define o ajuste direto como o regime aplicável "se o objeto da contratação respeitar à defesa e segurança nacional", sem fornecer informações ao público sobre o valor e outras condições dos contratos. Isto, numa altura em que "a realização dos gastos com a defesa tem aumentado significativamente", escreve a ONG, apontando um aumento de 80% entre 2017 e 2020, de mais de 8 mil milhões de meticais para 15 mil milhões.
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Secretismo e ineficácia
Cabo Delgado: Governo moçambicano realoja deslocados
03:00
O primeiro contrato do género, segundo o relatório, terá sido firmado com a Wagner Group, uma empresa russa que terá chegado a Cabo Delgado em setembro de 2019 e sobre a qual "o Governo nunca se pronunciou". Desconhecem-se igualmente as contrapartidas oferecidas aos militares russos que se tirão retirado do combate "sem sucesso em Cabo Delgado".
A sul-africana Dyck Advisory Group terá chegado ao terreno em abril, com "meios aéreos e armamento" e, mais uma vez, diz o CIP, "o Governo nunca revelou os termos do contrato, tais como a duração, o valor e as obrigações" da empresa militar privada. Esta contratação terá sido renovada ao mesmo tempo que o Governo contratou a Paramount - "a terceira vaga de contratação de empresas militares privadas".
A ONG condena os "padrões de secretismo" e a opção "contraproducente" de contratar este género de empresas, lembrando que os ataques às sedes dos distritos de Quissanga, Mocímboa da Praia, Macomia e Namacande-Muidumbe tiveram lugar já depois de o Governo contratar os seus serviços. O CIP lembra ainda que "há relatos de mau relacionamento entre os militares privados e as FDS".
No final do relatório, a ONG recomenda ao Governo que reconsidere os serviços das empresas militares privadas "após estas terem mostrado incapacidade para ajudar a conter a expansão dos ataques" em Cabo Delgado. "Por outro lado", acrescenta o CIP, "a Assembleia da República, através da comissão especializada, a Comissão de Defesa, Segurança e Ordem Pública, deve inquirir o Governo sobre os contratos para a devida prestação de contas".
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?