Os recentes ataques no norte de Moçambique estão a provocar uma nova onda de deslocados internos no país. O ACNUR fala em aumento das violações dos direitos humanos que afetam sobretudo mulheres e crianças.
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O norte de Moçambique não está a conseguir dar resposta às necessidades dos deslocados internos que fogem dos ataques terroristas na região. A cidade de Pemba, em Cabo Delgado, recebeu recentemente uma nova vaga de deslocados que obrigou as organização não-governamentais a redobrarem esforços para evitar uma nova catástrofe humanitária.
As organizações no local estimam que haja mais de 400.000 mil pessoas deslocadas pela violência na província moçambicana de Cabo Delgado.
A DW África conversou com Juliana Ghazi, responsável do departamento de relações públicas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que atua na província, sobre a crise.
DW África: Que desafios para o ACNUR traz a nova vaga de refugiados internos que Pemba assiste?
Juliana Ghazi (JG): A situação em Cabo Delgado é maioritariamente uma crise de proteção com cada vez mais casos de violações dos direitos humanos. À medida que o conflito se intensifica, existe a tendência de que múltiplos deslocamentos ocorram. O ACNUR tem falado com famílias que tiveram de abandonar as suas casas, andar por muitos dias, chegar a uma nova vila e ainda assim sofrer novos ataques nesses lugares.
Nesse contexto os maiores desafios estão na sua maioria relacionados com problemas de proteção e violação dos Direitos Humanos em Cabo Delgado e nas províncias perto que também estar a acolher deslocados internos.
Existe a preocupação por parte do ACNUR de aumentar a entrega de serviços e sistemas que realmente providenciem apoio para essas pessoas deslocadas e para outras que tenham sido impactadas pela violência.
DW África: Algumas organizações acreditam que a situação esteja à beira de uma catástrofe humanitária. O ACNUR também prevê esse cenário?
JG: A violência em Cabo Delgado tem-se intensificado ao longo dos últimos anos, principalmente através de ataques reivindicados por grupos armados não estatais. Essa situação aumentou o número de deslocados internos, bem como as necessidades desse grupo. O ACNUR continua extremamente preocupado com a violência e com as violações dos direitos humanos que recaem sobre esses cidadãos e que particularmente afetam crianças e mulheres que são a maior parte dos deslocados no país.
DW África: Muitas famílias têm ajudado os deslocados dando-lhes abrigo. Como é trabalhar com esse grupo?
JG: Estima-se que 90% dos deslocados internos estão a ser abrigados por parentes ou amigos. Muitas dessas comunidades que estão a abrigar os deslocados internos estão a lidar com as consequências do ciclone Kenneth que se abateu sobre a região em abril de 2019.
Existem poucos recursos para ser partilhados, por isso há muitos problemas de sobrelotação. Há casas que abrigam 20 a 30 pessoas no mesmo espaço, o que gera problemas relacionadas com a saúde, particularmente nesta fase de pandemia da Covid-19. O ACNUR tem respondido às necessidades dos deslocados internos e também das comunidades locais, por exemplo com a distribuição de material, como tendas, colchões, utensílios de cozinha, redes de mosquito, baldes de água, entre outros.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.