Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique insta as autoridades a investigarem abusos supostamente cometidos pelas FDS em Cabo Delgado, após denúncia da Amnistia Internacional.
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Luís Bitone fez o apelo esta segunda-feira (14.09) quando respondia a perguntas dos jornalistas, sobre acusações feitas na semana passada pela organização não-governamental Amnistia Internacional (AI) de que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) estão a cometer graves atropelos aos direitos humanos na luta contra grupos armados que protagonizam ataques na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.
Segundo Luís Bitone, as autoridades moçambicanas "não devem fechar as portas" às investigações em relação à veracidade das conclusões contidas no relatório da AI. A falta de uma investigação "pode causar alguma dúvida [e é por isso importante] não fechar as portas à investigação, ao aprofundamento da situação", declarou.
O presidente da CNDH assinalou que a sociedade moçambicana e a comunidade internacional estão interessadas em conhecer a verdade no conflito em Cabo Delgado.
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Posicionamento do Estado
Sobre o facto de o Ministério da Defesa Nacional (MDN) ter rejeitado as acusações da AI, Luís Bitone assinalou que não há "nada de extravagante" na reação, porque "era obrigação do Estado distanciar-se" das alegações.
"Era obrigação do Estado aparecer, primeiro, a distanciar-se, dizer que não é política formal do Estado torturar pessoas, penso que isto toda a gente esperava", sublinhou.
A posição do MDN, prosseguiu, foi oportuna, porque permitiu que o Estado reafirmasse a política formal de defesa dos direitos humanos: "A reação, para mim, foi oportuna, na medida em que veio, de forma formal, distanciar-se, dizer que, formalmente, não houve um comando para que os abusos acontecessem e se aconteceram não foi em cumprimento de um comando superior", frisou Luís Bitone.
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Denúncia da AI
No dia 09 deste mês, a AI defendeu uma investigação independente às suspeitas de prática de tortura e outras violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança moçambicanas em Cabo Delgado.
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"O Governo de Moçambique deve lançar uma investigação independente e imparcial sobre tortura e outras violações graves cometidas pelas forças de segurança em Cabo Delgado", apelou a organização de defesa dos direitos humanos, em comunicado, depois de ter analisado um conjunto de imagens captadas na região.
Em causa estão vídeos e fotos que, segundo a AI, "mostram tentativas de decapitação, tortura e outros maus-tratos de detidos, o desmembramento de alegados combatentes da oposição, possíveis execuções extrajudiciais e o transporte de um grande número de cadáveres até valas comuns".
Membros da Amnistia Internacional obtiveram cinco vídeos e três fotos de fontes localizadas em Moçambique e os materiais, em formato digital, foram verificados por participantes do 'Crisis Evidence Lab' (grupo de análise urgente de provas), uma secção da própria AI.
"Os soldados nos vídeos usam dois uniformes diferentes", o das forças armadas moçambicanas (a maioria), combinado com armas Kalashnikov, enquanto outros usam a farda da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) da polícia, descreveu a AI.
A organização destacou ainda o facto de falarem português e changana, uma língua do sul de Moçambique, e de fazerem referência a lutas recentes em Mocímboa da Praia, sendo por isso "altamente provável que [as imagens] tenham sido filmadas em Cabo Delgado ou perto, na primeira metade de 2020".
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.