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Cabo Delgado: Deslocados e locais em conflito por terras

Delfim Anacleto
3 de junho de 2021

Comissão da Agricultura, Economia e Ambiente da Assembleia da República esteve nas zonas que recebem deslocados do terrorismo no norte de Moçambique e confirma que há conflitos. Locais não aceitam abrir mão das terras.

Ntele Montepuez Dorf
Aldeia de Ntele ressente-se do fluxo de deslocadosFoto: DW

Os deputados da Comissão da Agricultura, Economia e Ambiente da Assembleia da República visitaram a província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, e constataram que há conflitos de terra nos distritos de Montepuez e Ancuabe, que receberam milhares de vítimas do terrorismo.

A população local rejeita a expropriação dos seus terrenos para serem entregues aos deslocados, diz Manuel Rodrigo Ramessane, deputado da FRELIMO, partido no poder, e vice-presidente da Comissão.

"Constatamos, sim, que há conflito de terra, sem dúvida. Porque vieram deslocados," confirma. "O Estado achou que deveria identificar um lugar para reassentá-los. Mas a terra é propriedade de Estado, então o Estado tem o direito de, naquela terra, usar", defende.

Ramessane avança que as autoridades têm sensibilizado a população local, de modo a dispensar parte do seu espaço às famílias que fogem da instabilidade nas regiões de origem, para a fixação de abrigos e abertura de campos de cultivo.

"Quando existem deslocados, vão para alguma terra na qual já existem nativos. Existem nativos, mas a terra é do Estado. É este conflito que ocorre. Mas tem sido respondido prontamente pela comunidade, na perspectiva de ajudar o seu próximo e tem havido consenso com a comunidade. Acredito que se vai resolvendo paulatinamente, porque estes deslocados não ficarão definitivamente lá. É um uso temporário daquele espaço", garante o deputado.

Deslocados em Ntele, MontepuezFoto: DW

Acusações desmentidas

O deputado garante ainda que não há venda de terra aos deslocados. Recentemente, o jornal O País denunciou, citando as vítimas de terrorismo, que estas estariam alegadamente a ser obrigadas a pagar valores monetários para ter acesso à terra no centro de reassentamento de Montepuez. De acordo com a fonte, os pagamentos situavam-se em cerca de 500 meticais (o equivalente a sete euros).

"Propriamente a venda de terra, não tenho estado a perceber. Porque venda pressupõe documentos formais em que eu receba um recibo de que fui comprar aquela terra para isto", argumenta.

A notícia da venda de terras aos deslocados viria a ser logo desmentida também pela administradora de Montepuez. A DW África deslocou-se, esta semana, ao centro de reassentamento de Marokani, em Ancuabe, e ouviu alguns deslocados sobre o assunto.

Braimo Abdala, que fugiu de Mocímboa da Praia, disse que obteve um espaço onde ergueu abrigo e um outro no qual abriu sua machamba, sem qualquer chantagem ou exigência de dinheiro por parte dos nativos.

"Ninguém veio pedir-me dinheiro pelo terreno. Estou a trabalhar bem", garantiu.

Também Herculano, deslocado de Quissanga, nega ter sofrido pressão pela terra que ocupa para abrigo e machamba.

"Aqui não posso mentir, não houve nenhum impedimento com os donos das machambas que encontramos aqui. Ninguém nos proibiu. Só que as machambas que nos foram atribuídas eram muito longe e não conseguimos lá trabalhar", explicou.

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