Amade Abubacar e Germano Adriano foram libertados e vão aguardar julgamento em liberdade. Mas para o presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA), a detenção dos jornalistas foi "erro grave".
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Foram libertados esta terça-feira (23.04), na sequência de um pedido do advogado de defesa, os dois jornalistas detidos em janeiro e fevereiro, na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Amade Abubacar e Germano Adriano foram acusados de violação de segredos de Estado e incitação à desordem quando realizavam trabalhos após os ataques armados naquela região.
O Instituto de Comunicação Social da África Austral - MISA defendia desde o início a libertação dos dois repórteres. Em entrevista à DW África, o presidente do MISA Moçambique, Fernando Gonçalves, explicou que os dois arguidos vão aguardar julgamento em liberdade.
DW África: Foi aplicada alguma medida de coação adicional aos dois jornalistas?
Fernando Gonçalves (FG): Há uma ordem judicial, emitida por um juíz de Direito, que indica que eles podem sair da penitenciária, em termo de identidade e residência, o que significa que eles vão aguardar o julgamento fora da cadeia.
DW África: Qual é o estado de saúde destes dois jornalistas?
FG: Não tenho nenhuma informação sobre o estado de saúde. Penso que essa será a fase seguinte, submetê-los a testes médicos e verificar, de facto, qual é o seu estado de saúde, se há alguma coisa que mereça atenção especial. Eles passaram muito tempo sem o direito de receber visitas de familiares, só o advogado é quem tinha acesso a eles.
DW África: Relativamente à medida de coação aplicada em substituição da prisão preventiva, acha que o termo de identidade de residência é uma medida adequada?
FG: Podemos dizer que é uma medida menos penosa que a caução. Portanto, satisfaz-nos. Aquilo que nós gostaríamos que fosse feito é que, de facto, fosse dada uma nulidade sobre este processo e que isto ficasse totalmente encerrado. Eles não têm nenhum caso a responder perante um tribunal.
DW África: Ou seja, há aqui um mal-entendido?
FG: Eu não sei se é um mal-entendido. Eu penso que foi um erro grave das nossas Forças de Defesa e Segurança. Em vez de investigarem antes de acusar, [as Forças de Defesa e Segurança] prenderam, acusaram e depois foram investigar. Quer dizer, fizeram tudo ao inverso.
DW África: Quando este processo for a julgamento, não espera outra coisa que não a absolvição?
FG: Absolutamente, absolutamente. Não acreditamos que haja algo que justifique que estes indivíduos sejam julgados ou mesmo que tenham um regime de privação de liberdade.
Cabo Delgado: Detenção de jornalistas foi "erro grave" das autoridades
DW África: Está confiante nessa decisão?
FG: Muito confiante. Foi uma grande injustiça. Devem assistir aos dois o direito de serem ressarcidos pelos danos que lhes foram causados.
DW África: Ou seja, está em cima da mesa um pedido de idemnização por danos físicos e morais...
FG: Bom, isto não é da nossa responsabilidade. A responsabilidade é deles. Nós [do MISA] simplesmente prestamos asistência.
DW África: O MISA vai continuar a apoiar estes dois jornalistas?
FG: Vamos continuar a defendê-los. Vamos continuar a patrocinar a defesa deles. Sobre isto não há dúvidas.
DW África: Acha que há perseguição política aos jornalistas em Moçambique?
FG: Não tenho informações exatas. A única razão que pode explicar a perseguição aos jornalistas é que haja algo que não se queira que seja do conhecimento público e os jornalistas têm essa função de informar o público sobre o que se passa no país. Portanto, alguém não está interessado que isto aconteça.
DW África: E estes dois jornalistas vão continuar a exercer a profissão?
FG: Eles são jornalsitas. Portanto, independentemente do que aconteceu, eles não sabem fazer outra coisa senão jornalismo. Portanto, vão continuar como jornalistas.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.