Cabo Delgado: Dezassete condenados por terrorismo em 2024
DW (Deutsche Welle)
13 de setembro de 2024
Nos primeiros 9 meses do ano, 17 cidadãos foram condenados em Cabo Delgado por crimes relacionados com o terrorismo. As mais recentes condenações estão ligadas ao financiamento de grupos armados no norte de Moçambique.
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O Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado condenou, a 4 de setembro, duas pessoas por financiamento do terrorismo.
"Ambos foram condenados a 28 e 30 anos de prisão. Este é o primeiro processo de financiamento ao terrorismo no país", informou Cármen Massicame, magistrada do Ministério Público em Pemba, capital provincial de Cabo Delgado.
Os dois indivíduos recentemente condenados juntam-se a outros 15 que já estão a cumprir penas, entre os oito e os 30 anos de prisão, por crimes de terrorismo.
"No período de janeiro a agosto de 2024, foram registados 21 processos com 43 arguidos. Desses processos, 13 foram julgados, envolvendo 19 arguidos, dos quais 15 foram condenados (…), enquanto 37 arguidos se encontram em prisão preventiva", revelou a magistrada.
Fortalecer a luta contra o terrorismo
Analistas consultados pela DW elogiam os resultados obtidos pela Justiça moçambicana e acreditam que estas condenações podem fortalecer a luta contra o extremismo violento em Cabo Delgado.
"Há um combate intenso nas matas e um sistema judicial que procura cumprir com o seu mandato no Estado de Direito democrático. Com estas condenações de indivíduos que financiam o terrorismo, o setor judiciário tem demonstrado um bom desempenho", comenta o jornalista Aunício da Silva.
O ativista social Abudo Gafuro Manana considera que as condenações desestimulam outros financiadores e abrem caminho para desvendar a rede que mantém ativos os grupos armados no norte de Moçambique.
"A partir das condenações por terrorismo ou financiamento e logística, é possível identificar as suas raízes e ramificações, permitindo uma investigação mais aprofundada para encontrar outros indivíduos envolvidos", defende.
Reforço da narrativa extremista para conquistar apoio?
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No entanto, tanto Abudo Gafuro Manana como Aunício da Silva criticam o secretismo em torno das condenações relacionadas com o terrorismo, uma vez que só agora se soube dos processos em curso.
"É dever do tribunal publicitar as condenações para que os cidadãos saibam quem são os envolvidos no financiamento e logística do terrorismo e quais foram as penas aplicadas. Milhares de famílias e centenas de crianças estão a ficar órfãs devido aos atos terroristas", argumenta o ativista.
"O conhecimento público das decisões judiciais relacionadas com o terrorismo seria muito benéfico. Por um lado, poderia desencorajar novos atos terroristas; por outro, demonstraria que o setor judiciário é capaz de processar e condenar os envolvidos em terrorismo", diz também o jornalista.
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Progressos no combate ao extremismo
O Estado-Maior General das Forças Armadas de Moçambique afirmou que tem havido progressos no combate ao extremismo violento e assegurou que a situação em Cabo Delgado está estável.
João Gonçalves, comandante da Força de Treino da União Europeia (UE) em Moçambique, sublinhou, ainda assim, a complexidade do combate aos grupos armados em Cabo Delgado, durante o encerramento da missão de treinamento de forças especiais.
"É um combate extremamente difícil, envolvendo pessoas que recrutam crianças para lutar. O impacto que avaliamos é positivo, pois preparamos melhor os soldados moçambicanos para enfrentar esta dura realidade, que não segue regras e não tem escrúpulos nas suas ações", concluiu.
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
Foto: DW
Quarta invasão
No dia 10 de maio de 2024, um grupo de terroristas invadiu Macomia, naquela que foi a quarta vez consecutiva que aquela vila de Cabo Delgado se viu entregue aos terroristas. Permaneceram na sede distrital por cerca de dois dias. Após confrontos com as tropas moçambicanas e aliados, o grupo armado abandonou a vila. Mas a destruição permanece.
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Rasto de destruição
Ao abandonarem o local, os terroristas deixaram edifícios públicos como registo civil, a direção de infraestruturas e a secretaria distrital completamente vandalizados. Alguns desses locais continuam de porta fechadas. O comércio vai reabrindo a conta-gotas e a medo.
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Agências humanitárias não escaparam
Também os escritórios e infraestruturas que albergam organizações humanitárias como a Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, entre outras, foram arrasados pelos terroristas. Desses locais, foram subtraídos medicamentos, viaturas e outros bens.
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Reconstrução é urgente
Autoridades governamentais de Cabo Delgado visitaram Macomia no início de junho para avaliar os danos causados pela presença terrorista. Apesar de admitirem que é uma "prioridade repor aquelas infraestruturas para gradualmente os funcionários prestarem os serviços necessários à população", os serviços continuam a funcionar a meio-gás.
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Paz e medo entre os habitantes
A vila tenta regressar à normalidade, mas o clima ainda é de medo. Os residentes reativaram as atividades de autossuficiência, mas não escondem o receio de um novo ataque, preocupação que paira a todo o instante.
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Chitunda, em Muidumbe, sem serviços públicos
Os cerca de 11 mil habitantes que tinham saído do posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, devido à insegurança, voltaram a casa. Mas nenhuma escola ou hospital está neste momento a funcionar, deixando milhares de crianças fora das salas de aula e os residentes sem acesso a cuidados de saúde.
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Governo promete reabrir escolas e hospitais
Para aceder a cuidados de saúde, a população da aldeia de Miangaleua, no posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, recorre ao distrito de Macomia. Mas o governo local garante que em breve os centros de saúde e as escolas na região voltarão a funcionar.
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Chuvas intensas agravaram a fome
A população de Miangaleua, em Muidumbe, que regressa paulatinamente a casa está a dedicar-se à produção agrícola. Porém, as chuvas intensas que caíram entre finais de 2023 e princípios deste ano arrastaram vários hectares de campos agrícolas junto ao rio Messalo. A produção de arroz e de outras culturas perdeu-se, aumentando a fome na região.
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Autoridades exortam população a produzir comida
O governo local ofereceu sementes de milho e feijões, enxadas, catanas e outros materiais de produção para que os camponeses voltem a semear.
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Corrente elétrica em falta
Os habitantes expressam também o desejo de ver restabelecida a corrente elétrica em Macomia, uma vez que as instalações elétricas também foram afetadas pelos ataques terroristas dos últimos anos. Pequenos painéis solares garantem serviços mínimos, mas não permitem a conservação do peixe que é retirado do rio, por exemplo.
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Mais segurança
Os residentes da aldeia de Miangaleua, em Muidumbe, pedem o reforço da presença das Forças de Defesa e Segurança, para que nunca mais tenham de fugir das próprias terras devido ao terrorismo. Mas a ajuda tarda em chegar.