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Cabo Delgado: Doação às FDS pode sair cara a jornalista

30 de abril de 2021

Armando Nenane queria apenas exercer a sua profissão com rigor, investigando, e agora deverá receber como "recompensa" uma queixa-crime do ex-ministro da Defesa. Tudo por causa de 50mt depositados numa polémica conta.

BG I Alltag und Militarismus in Cabo Delgado
Forças de Defesa e Segurança (FDS), MoçambiqueFoto: Roberto Paquete/DW

Tudo começou com "O negócio da guerra", um trabalho publicado pelo Canal de Moçambique, em meados de 2020, que revelava um acordo entre os Ministérios da Defesa e do Interior e duas multinacionais, alegadamente para garantir a segurança dos trabalhadores na região de Palma, na província nortenha de Cabo Delgado.

Na altura, o Canal de Moçambique divulgou ainda o número de uma conta que estaria associada a esse acordo. Isso valeu ao órgão algumas idas à Justiça.

Também em 2020, o jornalista Armando Nenane fez uma doação de 50 meticais (cerca de 70 cêntimos de euro) para essa conta, para investigar o caso e como "contribuição" para as Forças de Defesa e Segurança. Mas à DW, o jornalista refere que, como há gente que não aprecia caridade, deverá agora responder pelo seu gesto... Pedimos a Armando Nenane que nos contasse a história toda:

DW África: Qual foi o objetivo do depósito?

Armando Nenane (AN): Tinha dois objetivos quando efetuei o depósito: primeiro, ver o aspeto do talão de depósito e, segundo, contribuir para as Forças de Defesa e Segurança (FDS).

DW África: Mas algo levou a tomar essa decisão...

Jornalista Armando NenaneFoto: DW/L. Matias

AN: Exatamente. A história por detrás disso é o processo que foi movido pelo Ministério da Defesa contra os jornalistas do Canal de Moçambique, Fernando Veloso e Matias Guente, por crime de violação de segredo de Estado. Onde teriam cometido o crime? Ao publicar o artigo "O negócio da guerra". Essa história baseia-se num contrato assinado pelo Ministério do Interior e pelo Ministério da Defesa com vista ao financiamento da Força-Tarefa Conjunta estacionada em Cabo Delgado. Uma vez que o Canal de Moçambique publicou [o número da] conta bancária, eu, para verificar se os jornalistas teriam cometido algum crime, fui efetuar o depósito naquela conta vulgarmente conhecida como 'segredo de Estado'. A conta foi criada para depositar o financiamento das petrolíferas Anadarko e ENI com vista ao financiamento da Força-Conjunta.

DW África: Numa conta privada?

AN: Numa conta que se diz decorrente deste contrato que se diz confidencial. O Ministério da Defesa acusou o Canal de Moçambique de violação do segredo de Estado porque se entende que aquele contrato confidencial é um contrato do Estado. [E] questiona-se se a conta é privada ou pública. É isso que o Canal de Moçambique queria revelar.

Quando eu faço o depósito nesse número de conta é quando aparece o nome do sr. Atanásio Salvador Mtumuke. Efetivamente, acho que nenhum ministro tem conta bancária, mesmo a Procuradoria usou o meu talão de depósito para ouvir o BCI e o antigo ministro Mtumuke. E, nessa audição, o BCI respondeu que foi falha técnica da funcionária bancária que acionou uma tecla que se chama "o próprio ao balcão", que significa que o dono da conta é que efetuou o depósito. Entretanto, quem fez o depósito não foi o dono da conta, fui eu. Aí obtive um talão de depósito que comprova que há um dono da conta, e a Procuradoria, com base nesse talão, arquivou o processo movido pelo Ministério da Defesa contra o Canal de Moçambique.

DW África: Agora, o general Mtumuke terá entrado com uma queixa-crime contra si por causa do depósito?

Atanásio Salvador Mtumuke, ex-ministro da Defesa Foto: DW/L. Matias

AN: Exatamente. E eu tomei conhecimento disso através de um publicação do jornal "Público" da última semana, que diz que o general acusa-me e ao BCI de falsificação de documentos e de crime de difamação.

DW África: Acha que está a ser perseguido?

AN: Sim, acho.

DW África: Porquê?

AN: A partir do momento em que o general apresenta uma participação de crime contra mim, acho que é uma perseguição judicial ao jornalismo, porque, ao efetuar ao depósito, não tive qualquer intenção criminosa, estava a fazer uma investigação. E a Procuradoria pode constatar através de uma auditoria forense que há oito milhões de meticais dados pela Anadarko para os militares em Cabo Delgado e esse dinheiro nunca chegou aos militares em Cabo Delgado. A Procuradoria constatou que nunca foi devolvido à Anadarko. Para onde foi o dinheiro?

DW África: Diz-se que o general terá ficado descontente consigo porque a informação de que o dinheiro era destinado aos militares, e o mesmo não tendo acontecido, levou com que os próprios se aglomerassem diante da sua casa para exigirem o dinheiro. Sabe disso?

AN: Sim, sim! Mesmo a própria participação do general que deu entrada na Procuradoria ainda diz que foi incendiada a casa dele em Cabo Delgado e que entretanto ele tem dificuldades de voltar a Cabo Delgado porque isto acabou por criar uma má interpretação lá.

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