É o que diz o coordenador do Centro de Jornalismo de Investigação de Moçambique, Luís Nhachote, que, em entrevista à DW África, comenta os últimos ataques jihadistas à vila de Macomia e a ação do exército moçambicano.
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Para o jornalista Luís Nhachote, o Estado moçambicano precisa mostrar a sua soberania e combater os grupos que estão a promover o terror na província nortenha de Cabo Delgado.
Em entrevista à DW África, Nhachote falou sobre o risco que os jornalistas enfrentam para reportar a violência na região e também sobre as dificuldades do Estado, na figura do exército, no combate aos terroristas.
DW África: Com base no que os jornalistas sabem, os ataques em Cabo Delgado são incidentes violentos ou uma verdadeira guerra?
Luís Nhachote (LN): Cabo Delgado está em guerra. Se nós tivemos a coragem de ir mexer na Constituição para declararmos o estado de emergência devido à pandemia, podemos mexer nesta mesma condição e declarar estado de guerra em Cabo Delgado. A província precisa ser fechada, porque é uma vítima no contexto geopolítico, no contexto global, devido aos recursos que ela tem. É uma guerra exportada, porque temos fronteiras vulneráveis. É preciso que o Governo moçambicano aproxime-se do Governo da Tanzânia também. Porque é que a Tanzânia tem sido o corredor das pessoas que entram e saem ou pela costa ou por terra e não acontece nada? É preciso que sejam solvidos uma série de pequenos fatores que parecem ser marginais, mas são de extrema importância.
DW África: Na sua perspetiva, há o perigo, neste momento, de o Estado desmoronar… de haver um desmembramento, digamos, do território nacional moçambicano?
LN: O país está a viver uma situação de guerra em Cabo Delgado, e que nos últimos dias se intensificou. Isso começa a ficar muito claro pelas respostas que o Governo tem dado em relação a Cabo Delgado, e sobretudo porque o Governo agora usa a denomiação "terroristas" e não "insurgentes" - "insurgente" é um rosto conhecido e esse não é conhecido. Mas o que estamos a ver é que os vídeos virais, que estão a mostrar esses jovens terroristas - que me parecem ser jovens -, mostram que eles estão numa situação de superioridade. Essa é que é a verdade.
DW África: Como é que os jornalistas conseguem trabalhar nessas condições? Podem ir até aos locais, é fácil de investigar o que se passa nesses territórios ou é praticamente impossível?
LN: É um suicídio. Não há nenhum jornalista no território de guerra. Por isso que os jornalistas das rádios comunitárias estão lá e são eles que nos passam informações. E vai notar que Cabo Delgado tem sido palco da detenção de jornalistas nos últimos tempos. Nós tivemos o Amade Abubacar, que foi preso… Tivemos o próprio Estácio Valói, e agora temos o Ibraimo Mbaruco. O jornalismo tem sido muito feito na base das fontes.
DW África: E as linhas de telemóvel foram cortadas, o que torna mais difícil ainda recolher informações do local propriamente dito, não é?
Vítimas de ataques em Cabo Delgado em fuga pela vida
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LN: [Os terroristas] estão a cortar as redes de fornecimento de comunidação, as antenas repetidoras. Está muito complicado saber o que se passa porque os distritos e as localidades estão a ficar mudos, sem comunicações.
DW África: Na sua perspetiva, a solução é militar, sobretudo, ou há outros campos onde o Governo e as instâncias estatais deveriam atuar?
LN: A única solução que me parece razoável é a militar. Há três anos que Moçambique está a viver esta guerra, sem que ninguém reivindique, como vem acontecendo agora com o alegado Estado Islâmico. Há uma série de muitas outras coisas que precisam ser respondidas: como é que o nosso exército está preparado? Será que a logística está condicionada? Pelo que estamos a acompanhar, muitos jovens [do exército] estão a gravar vídeos para dizer que não estão numa situação igualitária em termos de combate. Esses terroristas estavam melhores equipados que o próprio exército moçambicano. Então, é preciso que o Estado se levante para mostrar a sua soberania.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.