Cabo Delgado: Falta de fundos complica ajuda humanitária
DW (Deutsche Welle)
26 de agosto de 2025
A escassez de recursos compromete o apoio a milhares que lutam por comida, abrigo e assistência em Cabo Delgado. O ACNUR fala em subfinanciamento da resposta humanitária no terreno.
Desde julho, cerca de 56 mil pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas e aproximadamente 208 mil foram afetadas direta ou indiretamente pelo terrorismoFoto: UNHCR
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A crise humanitária em Cabo Delgado continua a intensificar-se devido aos sucessivos ataques terroristas. A resposta humanitária enfrenta sérias limitações financeiras, o que agrava a situação dos deslocados que lutam diariamente para garantir acesso a comida, abrigo e assistência básica.
Perante a escassez de recursos, as agências das Nações Unidas optam agora por respostas conjuntas no terreno.
Deslocados sem recursos
Tadeu, deslocado devido ao terrorismo, foi reassentado na aldeia de Megaruma, no sul da província de Cabo Delgado. Tal como outras pessoas no centro de acolhimento onde se encontra, enfrenta dificuldades para suprir as necessidades básicas.
"Estamos a pedir ao Governo para apoiar as famílias em termos de comida, kits de higiene, cobertores. Pedimos também apoio com lonas, para cobrirmos os nossos abrigos", refere.
A ONU tem apostado em parcerias entre agências como a UNICEF, o ACNUR, o Programa Mundial de Alimentação (PMA) e outrasFoto: UNHCR
O centro, que desde 2020 acolhe deslocados do terrorismo e vítimas dos ciclones, recebeu novos reassentados desde julho, na sequência de ataques recentes ao distrito de Chiúre. Se o apoio já era insuficiente antes, a chegada de mais deslocados agravou ainda mais a situação.
Juanito, também reassentado em Chiúre, confirma as dificuldades vividas: "Aqui estamos a sofrer. Nós não temos comida", desabafa.
INGD pede solidariedade interna
Durante a entrega de um donativo do Governo do Zimbabué em Chiúre, Luísa Meque, presidente do Instituto Nacional de Gestão de Riscos de Desastres (INGD), reconheceu a diminuição do apoio internacional e apelou à solidariedade interna, para que "haja maior sensibilização por parte dos moçambicanos para apoiar os nossos irmãos", exortou.
Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), desde finais de julho, cerca de 56 mil pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas, e aproximadamente 208 mil foram afetadas direta ou indiretamente pelo conflito. Em entrevista à DW, Isadora Zoni, oficial de relatórios do ACNUR em Pemba, revelou que 80% das vítimas são mulheres e crianças.
Isadora Zoni, oficial de relatórios da Agência das Nações Unidas para os Refugiados em Cabo DelgadoFoto: Delfim Anacleto/DW
Mas, segundo Zoni, falta financiamento: "Só há financiamento para 41% das nossas atividades, o que implica uma lacuna entre aquilo que conseguimos fazer e aquilo que são as necessidades no terreno."
A relatora do ACNUR garantiu, entretanto, que, apesar das limitações, o trabalho de assistência prossegue: "Isso não significa que não estamos a fazer alguma coisa para a resposta", afirmou.
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Crise agrava-se rapidamente
Para contornar os atuais limites orçamentais, a ONU tem apostado em parcerias entre agências como a UNICEF, o ACNUR, o Programa Mundial de Alimentação (PMA) e outras. Esta coordenação permitiu apoiar recentemente cerca de 31 mil pessoas com alimentos, abrigo e ações de proteção contra a violência de género.
Contudo, os constrangimentos enfrentados pelas organizações humanitárias não se restringem apenas ao financiamento. A multiplicação de emergências simultâneas e asbarreiras de acesso às zonas mais instáveis constituem entraves adicionais à resposta no terreno, segundo Isadora Zoni.
"O deslocamento está a acontecer de forma rápida e, muitas vezes, é difícil chegar a essas áreas instáveis para prestar assistência à população. A redução do apoio acontece no exato momento em que as necessidades aumentam", alertou a oficial de relatórios do ACNUR em Pemba.
Nampula: "Terra prometida" não consegue albergar mais "peregrinos"
Nampula tornou-se, desde o início dos ataques terroristas em Cabo Delgado, uma das "terras prometidas" para os refugiados. Muitos deslocados querem agora fixar ali residência, mas há dificuldades por falta de espaço.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Dificuldades em acolher mais pessoas
Muitos deslocados querem fixar residência em Nampula, uma cidade desenvolvida e calma no norte de Moçambique. No entanto, sentem fortes dificuldades devido à falta de terras disponíveis. O Governo local tenta encontrar soluções, que muitas vezes não são as que os habitantes mais gostam.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Há novas construções em zonas de risco
O fluxo populacional que a cidade de Nampula está a conhecer nos últimos anos, principalmente desde os conflitos em Cabo Delgado, tem contribuído para o aumento da construção de habitações em locais de risco. Até 2017, a cidade contava com mais de 700 mil habitantes, mas atualmente, de acordo com fontes do município, estima-se que sejam cerca de 900 mil.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Vende-se terreno: uma violação da lei que é ignorada
Em Moçambique, de acordo com a lei, a terra não pode ser vendida. Os terrenos são propriedade do Estado e cabe ao mesmo atribuí-los aos cidadãos. No entanto, as vendas ocorrem com regularidade. Em Nampula, em todos os bairros, incluindo os que estão em expansão, os terrenos são vendidos com um olhar indiferente por parte das instituições que velam pela legalidade.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
“Conflito por terras” entre mortos e vivos
A procura de espaço para viver está a originar o aumento de conflitos. Na zona do Muthita, no bairro de Mutauanha, a população invadiu áreas de reserva para construção de diversas infraestruturas do município. Esta imagem mostra uma disputa de terra num cemitério comunitário, entre os mortos e os cidadãos que o invadiram, tirando o sossego dos defuntos.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Naphutha: um rio resistente
O Rio Naphuta é fundamental no abastecimento de água da população do bairro de Mutauanha. Contudo, a sua existência é cada vez mais difícil. O rio sofre uma forte pressão humana, devido às construções de moradias e alterações climáticas.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Moradores unem esforços e abrem estrada
Na Unidade Comunal Muthita, no bairro de Mutauanha, os moradores decidiram unir-se. Recorrendo a enxadas, ancinhos, entre outras ferramentas de trabalho agrícola, decidiram abrir estradas. Embora de dimensões reduzidas, estes caminhos em terra batida permitem a mobilidade de viaturas pequenas.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Terras “sem ninguém”
A cidade de Nampula é a maior do norte de Moçambique. Na sua área ainda permanecem vastas terras férteis e intactas. Contudo, muitos cidadãos preferem ignorá-las devido à falta de condições mínimas. Em algumas destas zonas não ocupadas têm sido feitas delimitações de terrenos, mas a distribuição dos mesmos não tem sido frequente.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Nem tudo é negativo
A lotação da cidade moçambicana de Nampula não está apenas a criar pesos negativos. Os bairros de expansão da cidade estão também a conhecer novas e melhores moradias. Há nestes bairros luz e água. No entanto, a oferta desta última, por parte do Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), não dura as 24 horas do dia.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Fábricas consomem mais terras
O “boom” populacional na cidade não está a travar o desenvolvimento. Nos últimos anos, a cidade tem vindo a conhecer um aumento de novas infraestruturas económicas e vários investimentos que consomem extensas terras. Ao longo da Estrada Nacional número 1, desde a entrada até à saída da cidade, há novas construções de indústrias a surgirem.