E o investigador cita um exemplo do descontentamento social, supostamente na origem da insurgência: "A Anadarko disse que iria trazer trabalhadores filipinos. Moçambicanos poderiam ter sido formados para esses empregos".
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A DW África entrevistou o investigador britânico, especialista em política moçambicana, Joseph Hanlon, sobre os diversos ângulos da insurgência no norte de Mocambique, que assume agora novos contornos no palco dos confrontos.
As ações dos homens armados, que agora se identificam como sendo integrantes do Estado Islâmico (EI), eclodiram em outubro de 2017 na província de Cabo Delgado.
DW África: Como avalia a forma como o Governo moçambicano lida com a insurgência em Cabo Delgado?
Joseph Hanlon (JH): Considerando o caso como um problema militar. A FRELIMO está de novo a lutar pela independência. Mas por outro lado, seguindo o modelo português, ao invés de entender porque eles venceram.
DW África: Já se fala na presença de russos, sul-africanos, zimbabueanos ao serviço do Governo em Cabo Delgado. Esse cenário será viável a longo prazo?
JH: Os russos já se foram. Da África do Sul apenas está lá um drone e alguns helicópteros - úteis, mas [recursos] limitados. Ainda não há evidências da presença de zimbabueanos. E não, os mercenários não resolverão os problemas.
DW África: Acredita-se que a insurgência possa estender-se a outros países da região austral. Uma cooperação regional para combater esta fase inicial seria o desejável?
JH: Não. A cooperação regional é vista como militar ou de segurança. É necessário criar empregos.
DW África: Estudos indicam que as desigualdades sociais estão na origem da insurgência. Para resolver este problema no norte, o que seria necessário, para além de ações militares robustas?
JH: É preciso criar milhões de empregos.
DW África: Como não há capacidade para isso, então a insurgência será um problema de longo prazo?
JH: A Anadarko disse aos bancos que eles iriam trazer 15 mil trabalhadores filipinos. Pelo menos cinco mil moçambicanos poderiam ter sido formados para esses empregos, se tivessem começado o processo há cinco anos atrás. Da mesma forma, poderiam ter criado cadeias de valor para alimentar esse número de trabalhadores, mas não o fizeram. Veja-se o caso dos EUA durante a depressão, quando Roosevelt, sob o novo acordo, criou milhares de empregos. Tudo, desde plantar árvores até artistas. Legalizar a mineração artesanal ajudaria a resolver a situação. Há muitas maneiras de avançar rapidamente. É preciso distribuir o dinheiro do gás a todas as aldeias.
DW África: Vê semelhanças entre este conflito e a guerra dos 16 anos?
Bispo de Pemba #explica situação humanitária em Cabo Delgado
01:03
JH: Sim e não. A guerra civil de 1976-1992 começou como uma guerra externa - primeiro a Rodésia e depois a África do Sul tentaram manter a FRELIMO sob controle. Ela foi desencadeada por um descontentamento local. Em contrapartida, esta guerra começou por causa de descontentamento local e forças externas aproveitaram-se de uma guerra já existente para tentar reformulá-la.
DW África: Há relatos de que jovens soldados estão a desertar ou que se misturam entre a população, sem farda, para não combaterem os insurgentes. Isso sinaliza que os jovens não estão alinhados com os objetivos do Governo ou é apenas medo?
JH: Um pouco dos dois, acho eu.
DW África: Alguns projetos do gás foram paralisados. Acha que o aumento da violência pode pôr fim aos investimentos?
JH: Não por si só. As empresas de petróleo e gás têm uma longa experiência sobre como operar em contextos de extrema violência - como no delta da Nigéria, por exemplo. Mas os preços muito baixos do gás e do petróleo estão a causar impactos imprevisíveis e a guerra apenas contribui para isso.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.