Cabo Delgado: Dados da ONU apontam para 670 mil deslocados
Lusa
24 de fevereiro de 2021
O número de deslocados devido ao conflito armado em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, subiu em dezembro para 670 mil pessoas, anunciaram as Nações Unidas na recente atualização de dados das agências humanitárias.
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Além das pessoas que fugiram das suas casas, na maioria crianças e jovens, muitas comunidades que os recebem estão sob pressão e estima-se que haja 950 mil pessoas "a enfrentar fome severa" nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, sendo 242 mil crianças com desnutrição grave.
Os campos foram abandonados e os mercados destruídos, detalha o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
"As comunidades em áreas menos atingidas de Cabo Delgado, bem como nas províncias vizinhas de Niassa e Nampula, estão a demonstrar uma incrível solidariedade e generosidade com os deslocados que fogem da crise", acrescenta.
Mais de 90% estão hospedados "com familiares e amigos", situação que "está a colocar uma enorme pressão sobre os já escassos recursos das comunidades anfitriãs".
Por outro lado, "a insegurança aumentou o custo dos produtos básicos, em muitas partes de Cabo Delgado, especialmente em áreas particularmente afetadas pelo conflito, incluindo os distritos de Palma, Macomia e Mocímboa da Praia".
Aumento de casos de cólera
O OCHA destaca ainda o aumento de casos de cólera, especialmente entre pessoas deslocadas: 55 mortes e quase 5.000 casos estavam contabilizados até 14 de fevereiro de 2021, com o maior número no distrito de Metuge, onde têm funcionado vários campos de acomodação.
O conflito danificou ou destruiu um terço das instalações de saúde na província de Cabo Delgado, especialmente em Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe e Quissanga.
Os ataques armados crescem desde 2017, alguns foram reivindicados pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico desde há ano e meio, mas não há certezas sobre quem está por detrás da violência organizada que tem sido combatida pelas Forças Armadas e de Defesa de Moçambique (FADM).
Cabo Delgado é uma região rica em pedras preciosas, madeiras e local onde avança o maior investimento privado de África para extração de gás natural a partir de 2024.
Diversos relatórios internacionais indicam que a costa da província também faz parte de uma das rotas de tráfico de droga, sobretudo heroína.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?