Cabo Delgado: Deslocados em zonas de "acesso impossível"
Lusa
26 de fevereiro de 2021
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) alerta para a situação de milhares de deslocados de guerra dispersos em áreas de "acesso impossível", devido à insegurança na província moçambicana de Cabo Delgado.
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"Temos quatro distritos de acesso impossível para a assistência humanitária a milhares de deslocados em Cabo Delgado", afirmou Alain Kassa, representante da MSF em Moçambique, num seminário sobre a situação humanitária em Cabo Delgado, organizado pelo Instituto de Estudos Económicos e Sociais (IESE); na quinta-feira (25.02).
Os distritos de Mocímboa da Praia, Muidumbe, Macomia e Quissanga, na província de Cabo Delgado, região norte, são os que acolhem refugiados sem acesso a nenhum tipo de assistência humanitária, porque são os mais duramente atingidos pela ação de grupos armados, afirmou.
Citando dados das Nações Unidas e do Governo moçambicano, o representante da MSF apontou que mais de 600 mil pessoas fugiram dos distritos afetados pelo conflito armado para distritos seguros na província de Cabo Delgado e nas províncias vizinhas de Nampula e Niassa, norte, e Sofala e Zambézia, centro.
Assistência humanitária insuficiente
"A assistência humanitária que tem sido prestada aos deslocados em centros de reassentamento é insuficiente, porque não têm sido canalizados apoios à altura das necessidades", destacou.
A alimentação, água, cuidados de saúde, higiene, atividades de geração de renda e abrigo constituem os bens necessários com maior urgência para os deslocados da violência armada em Cabo Delgado, apontou Alain Kassa.
Cabo Delgado: Governo moçambicano realoja deslocados
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Kassa referiu igualmente a necessidade de vacinação dos deslocados de guerra, contra várias doenças, como outras das carências com que as vítimas da guerra naquela região se debatem.
Sobre as necessidades financeiras para a assistência humanitária às vítimas do conflito armado, o representante da MSF apontou dados das Nações Unidas, cuja última atualização fixou em 35,5 milhões de dólares (29 milhões de euros) o montante necessário para uma resposta humanitária rápida.
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Ocupação para os mais jovens
Fonseca Mateus, padre e antropólogo residente na cidade de Pemba, capital de Cabo Delgado, defendeu a necessidade de criação de condições de ocupação para adolescentes e jovens, visando impedir o seu recrutamento por grupos armados na região.
"Se se diz que o desemprego e falta de ocupação foram favoráveis ao recrutamento de jovens para os terroristas, então tem de se proporcionar ocupação aos jovens e adolescentes obrigados a fugir dos distritos afetados pela violência", declarou Fonseca Mateus.
A situação, prosseguiu, vai encorajar os jovens e adolescentes deslocados a abandonarem os locais de acolhimento e a entregar-se a atividades nocivas.
O número de deslocados devido ao conflito armado em Cabo Delgado subiu em dezembro para 670 mil pessoas, anunciaram as Nações Unidas na mais recente atualização de dados compilados pelas agências humanitárias.
Além das pessoas que fugiram das suas casas, na maioria crianças e jovens, muitas comunidades que os recebem estão sob pressão e estima-se que haja 950 mil pessoas "a enfrentar fome severa" nas províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula - sendo 242 mil crianças com desnutrição grave.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?