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Cabo Delgado:"Há uma relutância em partilhar inteligência"

17 de dezembro de 2021

"Ruanda e SAMIM não confiam nas forças moçambicanas por causa do vazamento de informações", diz especialista em contra-insurgência. Opperman alerta: Isso compromete perseguição dos insurgentes já em expansão no país.

Soldados do Ruanda patrulham aldeia de Mute, província moçambican de Cabo Delgado
Soldados ruandeses patrulham aldeia de Mute, Cabo Delgado (foto de aquivo)Foto: Marc Hoogsteyns/AP/picture alliance

Com a chegada à província de Cabo Delgado de forças externas, do Ruanda e da SADC, para ajudarem o Exército local a combater a insurgência, repetem-se os anúncios de vitória no palco de guerra. Para além de repelirem os insurgentes, recuperaram as áreas tomadas e algumas já começam a ser repovoadas.

Porém, a resposta dos insurgentes começa a chegar de outros lugares, como da província do Niassa, por exemplo. Assassinatos, raptos e destruição já são uma realidade na província vizinha de Cabo Delgado. E há até casos de aldeias de Cabo Delgado que estão a ser novamente alvo de ataques. A nova faceta da guerra já era esperada, para a especialista em contraterrorismo, Jasmine Opperman

Opperman defende que "a sustentabilidade em contra-insurgência é central para o sucesso [da guerra]", mas alerta para um problema: a falta de confiança em matéria de inteligência militar entre as forças militares conjuntas.

A DW conversou com ela sobre os desafios que se impõem agora para as forças conjuntas.

Jasmine Opperman, especialista em contra-insurgência Foto: privat

DW África: O alastramento da insurgência para o Niassa e outras províncias prova que a insurgência está longe do fim?

Jasmine Opperman (JO):  A luta contra a insurgência falhou logo do começo. Se olharmos para a ocupação de Mocímboa da Praia, o treino que tiveram, a liderança que tem e a ligação ao Estado Islâmico (EI), vimos uma situação típica do Afeganistão e do Mali. É extremamente difícil pôr fim a esta violência tão intrincada. Qual é o objetivo final de Maputo? É livrar-se da insurgência ou garantir apenas um corredor militar para o gás (LNG)? Isso levanta uma questão séria. Segundo, há um choque de titãs, temos uma séria competição de interesses, com a França a apoiar o Ruanda, sem sombra de dúvidas, até financeiramente, para proteger Palma e Mocímboa da Praia. Há uma grande área extremamente difícil de cobrir e os terroristas estão agora a dirigir-se para o Niassa, e esta província oferece as condições ideais para a insurgência: poucas infraestruturas, comida, água, e há dois anos é um centro de recrutamento. Esta expansão já era esperada e isso não me surpreende nada, era previsível. Então, a insurgência está longe do fim. Abordar as causas de que todos falam e uma solução vai levar gerações. Temos de ter paciência para lidar com isso a longo prazo.

A Total expressou o seu desejo de que haja condições para que a exploração do gás continue por causa de interesses económicos, e a ENI está a pressionar, o que é compreensível. Só não acho que o tempo esteja do lado deles. O tempo está do lado dos insurgentes. E não veremos o fim disto nos próximos cinco anos. A insurgência está à espera, usam a parte interna para se movimentarem e atacarem em pequena ou grande escala. Estão a avançar, estão a espalhar-se geograficamente tornando a situação extremamente difícil. E, enquanto as contra-forças quiserem permanecer nas estradas principais, os insurgentes estão a sorrir.

Cabo Delgado: traumas de guerra, sonhos de paz

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DW África: Quais são os maiores desafios para o Exército numa altura em que os insurgentes expandem os seus ataques?

Exército moçambicano em Cabo DelgadoFoto: Roberto Paquete/DW

JO: O desafio está nas forças estrangeiras, que são várias. O Ruanda e o SAMIM (Missão Militar da África Austral em Moçambique) não confiam nas forças moçambicanas por causa do vazamento de informações, por causa da insurgência e das capacidades. O treinamento só tem efeitos a longo prazo, o treino de marinheiros não está integrado numa capacidade holística de contra-insurgência. Estamos a ver que, com o problema de confiança e depois de partilha de inteligência, há uma relutância em partilhar a inteligência, o que torna difícil continuar o trabalho de perseguição dos insurgentes, porque não se sabe com o que estão a lidar. Mas, se formos ao Niassa, vamos nos deparar com a insurgência de que estamos à procura. E isso cria confusão e sérios constrangimentos. Um simples exemplo é o que está a acontecer agora no Niassa vs. Macomia, os ataques, mas simultaneamente temos insurgentes em Palma e Mocímboa da Praia. A área é tão vasta que eu tenho sérias reservas em relação aos suprimentos logísticos, a inteligência e a estratégia integrada e disponível para sustentar tais operações. E a sustentabilidade em contra-insurgência é central para o sucesso.

DW África: Os insurgentes estão a regressar para algumas áreas em Cabo Delgado. É um sinal de reorganização para enfrentar as forças conjuntas no terreno?

JO: A insurgência não pode resistir à capacidade de guerra convencional, e é por isso que é fácil para o Ruanda se mover e reivindicar Palma e Mocímboa da Praia e tentar garantir a segurança da Bacia do Rovuma. Isso já está claro para os insurgentes, eles sabem o que realmente estão a fazer. As minhas dúvidas se mantêm em relação aos atos de terrorismo clássico: eles estão a aprender e estão a ajustar-se mais rapidamente que as forças de segurança. E tenho medo que o que previ já aconteceu: quebraram as fronteiras da zona de conflito. O segundo princípio, a expansão das táticas de terrorismo, já foi reportado. 

Qual é o próximo passo? Penso que é essa a questão. Não quero especular, apenas acho que as contra-forças precisam muito mais do que a análise operacional; necessitam da capacidade de olhar para os movimentos e não apenas para a incidência. Não podemos rastrear apenas a incidência. É preciso ver como eles serpenteiam através de Cabo Delgado. Mas infelizmente não vejo esta mentalidade pró-ativa, o que mais uma vez levanta questões acerca da inteligência que têm, bem como uma estratégia falhada de servir diferentes interesses, como o Ruanda com a França, a SAMIM serve interesses regionais, Maputo serve interesses oficiais. E assim não conseguem fazer frente à insurgência.

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