O sociólogo João Feijó alerta que o reforço de meios militares em Cabo Delgado, norte de Moçambique, deve ser feito de forma inteligente, sob pena de protelar o conflito e agravar as condições de vida da população.
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Segundo fontes militares citadas pela imprensa internacional, o distrito de Palma, em Cabo Delgado, Moçambique, voltou a ser palco de um novo ataque junto às instalações do projeto de gás natural na península de Afungi.
Na quarta-feira (23.06), uma cimeira da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) decidiu enviar uma "força em estado de alerta" da organização para ajudar Moçambique no combate ao terrorismo em Cabo Delgado.
No entanto, a chegada de mais meios de combate à região preocupa João Feijó, sociólogo e investigador da organização não-governamental Observatório do Meio Rural (OMR), que adverte que "uma ação militar da SADC não acompanhada por um maior investimento socioeconómico na região pode perpetuar o conflito".
DW África: Qual é a sua primeira análise sobre a decisão tomada pela SADC, no contexto do conflito em Cabo Delgado?
João Feijó (JF): É importante defender os interesses das populações e a sua segurança. De facto, a segurança da população estava em causa e uma maior segurança militar era necessária na região.
DW África: Não há o risco de as populações passarem a ser vítimas de intervenções militares que não sejam bem acauteladas?
JF: Uma maior musculatura no terreno vai ter como impacto uma maior violência sobre as populações. A população está entre duas partes que lutam entre si. Vão sofrer de ambos os lados. Se cooperarem com um lado, vão sofrer pelo outro. Penso que uma maior intervenção de contraterrorismo apenas vai aumentar o ciclo de violência e vai gerar mais deslocados e mais ressentimento nas pessoas.
DW África: Bastaria apenas uma força militar neste conflito?
JF: Uma resposta de contraterrorismo não pode ser uma força bruta. Tem de ser muito mais inteligente. Tem de ser com meios especializados, usando tecnologia que capte comunicações, chamadas e códigos desses grupos, intervindo sobre as respetivas lideranças. Se isso não for acompanhado com um reforço proporcional em termos humanitários – porque vai haver um aumento de deslocados nos próximos tempos em virtude de mais ações de contraterrorismo – e se não for acompanhado de um maior investimento socioeconómico e gerador de empregos, nós corremos o risco de simplesmente estar a alimentar o conflito e não a resolvê-lo.
DW África: Confirma-se que regressaram os ataques em Palma depois de uma relativa calmia?
JF: As informações que estão a chegar – ainda não confirmadas – é que há muitos ataques à volta da vila de Palma. Não está confirmado, mas dizem que conseguiram abater um helicóptero. Portanto, esse grupo continua nas suas incursões. Há aqui um impasse que temos de resolver.
DW África: E continuam a chegar muito deslocados a Pemba?
JF: Sempre que há um ataque em Palma, quatro ou cinco dias depois temos uma nova vaga de deslocados que chegam por via marítima ao bairro de Paquitequete [Pemba]. Estamos habituados a isto. Assim continuará até que toda a gente tenha saído dos locais onde estão. Depois coloca-se a questão de garantir os direitos das populações com uma resposta humanitária à altura das necessidades.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.