MSF denuncia grave crise de acesso à saúde em Cabo Delgado
23 de julho de 2025
A recente escalada da violência extremista em Cabo Delgado tem agravado a crise humanitária na região, expondo milhares de pessoas a níveis alarmantes de vulnerabilidade. Com ataques armados cada vez mais frequentes, serviços básicos, como o acesso à saúde, colapsam, deixando comunidades inteiras sem cuidados médicos essenciais.
A organização médica humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), que presta assistência nos distritos afetados pela insegurança, relata dificuldades de mobilidade das suas equipas para garantir os serviços das brigadas móveis de saúde.
Em entrevista à DW África, Emerson Finiose, médico da organização destacado no distrito de Macomia, revela que, dos sete centros de saúde que anteriormente serviam a população local, apenas um continua a funcionar, localizado na sede distrital. A redução drástica do número de unidades sanitárias limita a capacidade de resposta sanitária naquela região.
DW África: Como a MSF avalia a atual situação de insegurança em Cabo Delgado e de que forma isso tem impactado o acesso da população aos serviços de saúde?
Emerson Finiose (EF): Os níveis crescentes de violência, incluindo ataques armados recentes que têm forçado a população a fugir de suas zonas de origem, têm dificultado o funcionamento de serviços básicos de saúde. Primeiro, pela destruição da infraestrutura de saúde, mas também porque os funcionários de saúde locais têm sido obrigados a se refugiar em áreas consideradas mais seguras, especialmente nas zonas mais remotas.
DW África: Neste momento, quais são as regiões onde a crise humanitária e a insegurança se apresentam de forma mais agravada?
EF: Incluem-se os distritos de Macomia, Mocímboa da Praia, onde a MSF tem observado um agravamento significativo da situação. Em Macomia, por exemplo — onde estou atualmente alocado como médico —, tínhamos anteriormente sete centros de saúde funcionais; hoje, temos apenas um único centro de saúde em funcionamento, localizado na vila-sede, o que limita gravemente a capacidade de resposta às necessidades da população.
A título de exemplo, no distrito de Mocímboa da Praia, que é uma das áreas mais afetadas pela violência nos últimos anos, muitas pessoas estão a viver em zonas com acesso extremamente limitado ou inexistente a cuidados médicos.
DW África: Que tipo de desafios logísticos e de segurança têm sido enfrentados pelas equipas da MSF na tentativa de manter as operações médicas nas áreas afetadas pelo terrorismo em Cabo Delgado?
EF: Com rodovias sem segurança, as equipas da MSF não conseguem se movimentar para prestar serviços de saúde às comunidades mais afetadas, que já estão prejudicadas. Tentamos contrapor isso por meio de serviços móveis de saúde,mas, com a falta de segurança nas estradas, não conseguimos acessar essas áreas.
O impacto pode ser percebido claramente no número de consultas realizadas. A título de exemplo, no distrito de Mocímboa da Praia, em abril foram registadas 12.236 consultas. Em maio, devido ao aumento dos incidentes de segurança, esse número caiu drasticamente para 1.951, o que equivale a uma redução de mais de 90% no número de pessoas com acesso aos serviços de saúde.
DW África: Há, por exemplo, registo de uma situação em que as equipas dos Médicos Sem Fronteiras tenham sido obrigadas a suspender atendimentos ou evacuar zonas específicas devido a ameaças diretas?
EF: No distrito de Macomia, também tivemos um incidente no mês passado, que começou num evento ocorrido um pouco distante da vila, mas que rapidamente escalou. A insegurança chegou até à unidade sanitária, onde todos os pacientes — inclusive os internados — fugiram, e tivemos que interromper subitamente os serviços de saúde.