Cabo Delgado: "Não há ataques onde há recursos estratégicos"
26 de agosto de 2025
O ministro da Defesa de Moçambique, Cristóvão Chume, insiste em afirmar que as forças de segurança do Ruanda continuam a "contribuir para a estabilização da segurança" em Cabo Delgado, numa evidente contradição com a realidade no terreno. Os ataques dos insurgentes estão a intensificar-se e a alastrar-se rapidamente para sul, sem qualquer impedimento.
Em entrevista à DW África, o investigador do Instituto de Estudos de Segurança para África, Borges Nhamire, diz que as declarações do ministro visam "esconder as lacunas das Forças de Defesa e Segurança que têm uma incapacidade crónica de defender o território nacional".
O investigador denuncia também uma segurança seletiva, que apenas protege os interesses do gás, o que promove ainda mais exclusão, a grande razão da insurgência no norte do país. Nhamire aponta exemplos dos ataques na Reserva de Niassa e de Chiúre, onde as forças consideradas mais eficientes, as ruandesas, nada fizeram.
DW África: Que razão leva as autoridades moçambicanas a insistir que a situação em Cabo Delgado "está estável"?
Borges Nhamire (BN): Muitas razões podem ser apontadas, mas eu penso que a principal é para esconder as lacunas ou a falta de capacidade das próprias Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, que neste momento não estão a ser ajudadas pelas forças do Ruanda, mas estão a ser substituídas. E como é que isso se explica? De uma forma muito simples.
O destacamento de forças estrangeiras para um país nunca pode ser por um tempo indeterminado. Houve um destacamento das forças da SAMIM, mas tinha um prazo. Com as forças do Ruanda é um tipo de destacamento muito estranho, que não existe em nenhuma parte do mundo - um país enviar forças para outro país a prazo indeterminado. Segundo, não se sabe qual é o objetivo. Quais são as metas que eles têm a alcançar para dizer que já cumpriram a missão?
Todos esses problemas mostram que as declarações do ministro, ignorando a realidade dos factos, são para esconder as lacunas das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique, que têm uma incapacidade crónica de defender o território nacional.
DW África: E é nestas circunstâncias que o Governo da FRELIMO espera, sem fazer muito, que a Total regresse para continuar a exploração de gás natural. Acha que isso vai acontecer, considerando o contexto?
BN: Se vai acontecer ou não é um pouco difícil de responder, porque depende muito daquilo que a própria Total e as outras empresas parceiras do projeto decidirem. A Total, apesar de ser operadora, não decide sozinha. As outras empresas parceiras do projeto Moçambique LNG irão decidir.
Agora, se formos a olhar para o que está a acontecer no terreno, sim, a insegurança continua em Cabo Delgado. Os ataques continuam, mas criou-se um modelo que se chama "Green Zone", em torno dos projetos, onde não há ataques.
Portanto, mais para o sul temos limites, como a vila sede de Mocímboa da Praia. [Nesta zona], está incluída a vila de Palma, a parte do Oceano Índico ali ao redor de Afungi e mais para o norte, um pouco até Quionga. Ou seja, temos uma zona com uma linha imaginária que está altamente protegida. Toda a concentração das Forças de Defesa e Segurança do Ruanda, de Moçambique, e de dezenas de empresas internacionais de segurança privada estão ali para criar essa "Green Zone", que é a zona onde se vai explorar e processar o gás.
DW África: E fora dessa "zona verde", o resto dos moçambicanos pode morrer, segundo essa estratégia?…
BN: No resto da província de Cabo Delgado, os ataques continuam. Houve ataques dentro da Reserva do Niassa. As forças do Ruanda foram destacadas para responder ao ataque? Não. Porquê? Porque é longe da zona de exploração de gás. Houve ataques em Chiúre, agora em julho. As forças do Ruanda foram destacadas para responder ao ataque? Não. Porque também é uma zona distante da zona de exploração de gás. Mas se houver ataques ou tentativa de ataques, porque nem chegam a acontecer os ataques - graças ao poder dissuasivo das Forças de Defesa e Segurança - perto de Mocímboa da Praia/Palma, há-de haver uma resposta robusta, porque é lá onde estão os recursos mais interessantes e estratégicos para Moçambique.