Estudo do GI-TOC indica que rotas do tráfico de drogas no norte de Moçambique foram alteradas por causa da insurgência, e o rapto de mulheres sugere tráfico humano. Pede também medidas para travar o tráfico de armas.
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Intitulado "Economias ilícitas e conflitos armados - Dez dinâmicas que conduzem a instabilidade", o estudo da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC, na sigla em inglês) avalia a interação entre o estabelecimento da economia ilícita em Cabo Delgado e a insurgência.
É sabido que a província moçambicana é um dos maiores pólos de tráfico de drogas, de minérios, madeira e troféus animais. A pesquisa constata que a insurgência, que começou em finais de 2017, desencadeou mudanças de rotas do tráfico de drogas - as de médio porte deslocaram-se para o sul e a heroína da Tanzânia, através da Ponte da Unidade sobre o rio Rovuma, para o oeste - bem como no tipo de produto, sendo atualmente as metanfetaminas a droga mais traficada.
Além disso, o frequente sequestro de mulheres e crianças pelos insurgentes sugere tráfico humano, refere ainda o estudo.
A situação leva a ativista social Quitéria Guirengane a questionar: "Será possível travar a guerra quando o negócio da guerra se alimenta do tráfico de órgãos humanos, permitindo a sua extração gratuita nos milhares de mortos que estatisticamente nunca ultrapassam os dois mil?"
Insurgentes opõem-se ao tráfico?
Segundo o estudo, os insurgentes usam as rotas do tráfico para fugir das forças governamentais, mas não há provas de que em Cabo Delgado os insurgentes comandam as economias ilícitas. E compara: "Embora a media local relacione o tráfico aos insurgentes, a pesquisa da GI-TOC mostra que não é o caso. Pelo contrário, opõem-se, até executando alguns envolvidos".
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Contudo, contribuíram para as condições que originaram a insurgência, como a corrupção e a captura da economia pelas elites.
A pesquisa refere que, antes da insurgência, não havia um comércio ilícito de armas significativo no norte, mas alerta para o risco de aumento do tráfico de armas, sugerindo, por isso, que um monitoramento para deter esse crescimento deve ser uma prioridade para os atores internacionais, pois têm o poder de aumentar a instabilidade no norte, em todo o país e na região.
Podem autoridades 'sem moral' combater ilícitos?
Mas que capacidades tem um país como Moçambique para travar o tráfico num contexto de guerra?
Guirengane responde com várias perguntas: "Precisamos nos questionar se temos as premissas necessárias para agir. Temos vontade política? É possível vencer o tráfico quando cidades como Nampula crescem vertiginosamente fruto da lavagem de dinheiro? É possível enfrentar isso quando há indícios de que a heroína é o segundo principal produto de exportação? Quando as elites estão envolvidas ao mais alto nível na lavandaria? Quando o Estado é alimentado pelo 'gangsterismo' e o partido no poder recebe dinheiro de dívidas ilegais?"
Outro facto que não constitui novidade, reportado pelo estudo, é que a polícia é descrita como a mais próxima de grupos mafiosos no país, muitas vezes com agentes engajados diretamente em atividades do crime organizado e a atuarem como um esquadrão de ataque para o Governo e partido no poder. Mas a investigação constata, apesar de tudo, que o nível de violência relacionado aos mercados ilícitos em Cabo Delgado é baixo.
Relativamente às motivações, o estudo diz que, embora relatos indiquem que os insurgentes lutam por um Estado islâmico estrito, as suas mensagens carecem de uma elaboração teológica sofisticada ou de uma ideologia política bem definida.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".