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"Não se deve minimizar o risco de ataque em Pemba"

17 de junho de 2022

Emílio Beula, do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), adverte que Pemba pode estar na mira dos terroristas. Ativista diz que é preciso informar as pessoas, que "estão em pânico", para não agravar situação.

Força Local em Mueda, província de Cabo Delgado
Foto: Roberto Paquete/DW

Na província moçambicana de Cabo Delgado já se fala numa "nova vaga de ataques" depois dos episódios recentes de violência na região de Ancuabe. Na quinta-feira (16.06), de visita ao distrito, o Presidente da República, Filipe Nyusi, garantiu que as forças conjuntas estão a intensificar as patrulhas para devolver a tranquilidade à região.

A organização não-governamental moçambicana Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) considera que era "previsível" que grupos armados atacassem o sul de Cabo Delgado, depois de serem expulsos dos distritos mais a norte.

Em entrevista à DW, Emílio Beula, do CDD, ressalta que o Governo não deve subestimar os mais recentes movimentos terroristas e alerta para o risco de novas tentativas de assalto à cadeia de Mieze para libertar extremistas violentos.

DW África: A nova vaga de ataques a Cabo Delgado deve ser um motivo de preocupação ou está tudo "sob controlo", como dizem as autoridades?

Emílio Beula (EB): É motivo para preocupação, sim. Os ataques já estão a ter efeitos no campo humanitário. Há mais de 10.000 pessoas deslocadas. É preciso lembrar que Ancuabe, que foi o primeiro distrito do sul [da província] a ser atacado, concentra os maiores campos de deslocados e também há pessoas decapitadas.

O segundo ponto que torna esses ataques de grande preocupação é que, apesar da narrativa oficial dizer que os extremistas e os terroristas estão a fugir, ninguém sabe para onde é que estão a fugir. O risco de expansão do extremismo violento por Nampula, sobretudo naquela zona costeira, é maior. Sabemos também que, com os ataques de Cabo Delgado, parece que os traficantes de droga (que vem do Paquistão) migraram da costa de Cabo Delgado e desceram para Nampula, sobretudo para Angoche.

Ataques armados no norte de Moçambique estão a provocar novas vagas de deslocados internosFoto: Alfredo Zuniga/AFP

DW África: Com o reforço da segurança na parte norte da província, as atenções dos insurgentes estão voltadas para sul?

EB: Exato. Há mais deslocados a fugirem para Pemba. Os ataques agora acontecem num raio de aproximadamente 100 quilómetros da cidade de Pemba.

No norte, houve a interrupção do grande projeto da Total [Energies], mas no sul também [houve projetos interrompidos]. É verdade que são projetos que não se comparam à Total, mas temos projetos de grafite que foram suspensos. Temos o projeto da Central Solar de Metoro, que também foi suspenso. A Montepuez Ruby Mining, que é a empresa subsidiária da britânica Gemfields e que explora rubis em Montepuez, não suspendeu as operações, mas reduziu as viagens e manifestou, através de um comunicado, a preocupação com a aproximação dos ataques.

Portanto, enquanto no norte há uma relativa acalmia e os deslocados já estão a ser transferidos de Quitunda para a vila municipal de Mocímboa da Praia, no sul há uma nova vaga de deslocados.

DW África: E com essa aproximação a Pemba, há risco de a violência armada chegar à capital provincial?

EB: O risco sempre existe. Lembro que até ao dia 20 de março de 2021, ninguém acreditava que um ataque pudesse ocorrer na vila de Palma. Mas, no dia 24, aconteceu um ataque de grandes proporções. A vila de Palma, no norte de Cabo Delgado, parecia aquela que estava mais protegida pelas Forças de Defesa e Segurança Moçambicanas, mas houve um ataque brutal, com consequências que todo o mundo acompanhou.

A aproximação à cidade de Pemba é, sim, um risco de que haja ataques à cidade de Pemba. Na noite de terça-feira (14.06), a 20 quilómetros da cidade de Pemba, duas casas foram queimadas, duas viaturas foram queimadas, e justamente em Mieze, que é onde está a maior cadeia de Cabo Delgado. Nessa cadeia é onde estão extremistas violentos detidos. Uns estão indiciados, outros já foram acusados e outros estão a cumprir pena. É preciso lembrar também que em 2020, o próprio Governo confirmou que houve duas tentativas de assalto à cadeia de Mieze com o objetivo de libertar extremistas violentos. Portanto, há risco de ataques em Pemba e sempre existiu. Não se deve minimizar.

Membros da Força Local que patrulham os distritos sob ameaça de terrorismo em Cabo DelgadoFoto: DW

DW África: O que deve ser feito para travar essa tendência?

EB: A primeira coisa que o Governo tem de fazer é partilhar informação. Mais do que os ataques em si, o grande problema que está a acontecer neste momento é a falta de informação. As pessoas estão a fugir. As pessoas não sabem o que está a acontecer exatamente. Estão em pânico. Não vale a pena manter o silêncio. Não vale a pena minimizar, é preciso informar as pessoas.

A segunda coisa é que é preciso dar assistência às pessoas que estão a fugir. As pessoas estão a fugir a pé, não sabem para onde vão, não têm nada nas mãos… E está frio. Não têm comida. Não está lá ninguém do Governo. Não estão lá as agências humanitárias para apoiar as pessoas.

A terceira coisa é que é preciso levar a sério essas ameaças. O discurso governamental é de que são pequenos grupos que estão a fugir e com fome… Mas estão a matar pessoas durante a fuga; estão a queimar aldeias durante a fuga; estão a fugir; e estão a causar novas vagas de deslocados. É preciso conter esses grupos. Isso faz-se com informação. Portanto, o Governo tem que ser mais comunicativo, tem que colaborar com as comunidades, tem de conquistar a confiança das comunidades. Se os extremistas, de facto, atravessaram para Nampula, o risco de acontecer o que aconteceu em Cabo Delgado é maior, de termos tantas comunidades a não colaborarem com as Forças de Defesa e Segurança.

População em fuga no norte de Moçambique

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