Cabo Delgado: Deslocados podem chegar a um milhão em junho
6 de abril de 2021Os ataques terroristas levados a cabo há duas semanas contra Palma, no norte de Moçambique, forçaram a saída de pelo menos 11 mil pessoas da localidade. Milhares de outros cidadãos continuam a tentar fugir da região, mas ainda não se sabe quando serão retomados os voos humanitários.
Em entrevista à DW África, Margarida Loureiro, chefe do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Cabo Delgado, elogia o apoio das comunidades locais no acolhimento aos deslocados e reforça o apelo ao respeito pelos princípios fundamentais da Convenção de Genebra de 1951 e da Convenção da União Africana de 1969 para a proteção dos refugiados.
DW África: O ataque terrorista contra Palma há duas semanas forçou a saída de pelo menos 11.000 pessoas, mas ainda há milhares de habitantes que estão a tentar sair da localidade. Já se sabe quando serão retomados os voos humanitários em Palma, que entretanto foram suspensos? O que dizem as autoridades?
Margarida Loureiro (ML): Neste momento, não temos qualquer informação sobre a retoma de voos humanitários ou de outro tipo de voos, nem de outras formas de transporte de meio marítimo ou terrestre de Palma para fora desse distrito.
DW África: O ACNUR está preparado para receber mais deslocados nos próximos dias?
ML: Sim, claramente temos todas as medidas a postos para que cheguem mais pessoas nos próximos dias. Apesar de não haver voos e apesar de não existirem embarcações neste momento que estejam a transportar pessoas, sabemos que várias mulheres, homens e crianças saíram por outros meios, até em chapas, aqueles pequenos transportes coletivos. Há pessoas que estiveram escondidas no mato e estamos à espera que cheguem a qualquer momento. É natural que demorem mais tempo, porque se vêm a pé ou se vêm com outro tipo de transportes mais rudimentares, demoram algum tempo. São 400 km de Palma até Pemba.
DW África: Muitos civis têm chegado a Pemba, mas também a Montepuez, Mueda e Nangade. Que tipo de apoio tem sido prestado nestes locais, onde chegam tantas famílias traumatizadas, muitas separadas dos seus familiares e até crianças desacompanhadas?
ML: Exatamente. Nós temos estado a apoiar e a assistir estas pessoas com uma diversidade de serviços. Falamos de pessoas com necessidades muito específicas, como são as crianças que foram separadas e que estão desacompanhadas, as mulheres e adolescentes que sofreram de violência sexual, as mulheres com bebés que deixaram de conseguir produzir leite e também mulheres grávidas que não se sentem muito bem e estão a receber o devido apoio.
O ACNUR faz o primeiro rastreio destas pessoas, vê quais são as necessidades específicas e fazemos o encaminhamento para os serviços do Estado ou de outras organizações que têm essa especialidade de apoio médico ou de outro tipo de assistência em termos de saúde mental e física. Depois estamos a distribuir bens humanitários, como mantas, esteiras, itens de cozinha em conjunto com outras organizações que distribuem água e comida. As pessoas chegam com fome e desidratadas. O que temos visto agora é o desespero por parte destas pessoas que chegaram e que encontraram familiares e amigos com os quais estão a viver agora, mas que estão a ir ao centro temporário todos os dias e nos perguntam se chegou mais alguém. Andam à procura de familiares que deixaram para trás.
DW África: Há relatos de que mais de mil pessoas que fugiram da violência em Moçambique e tentaram entrar na Tanzânia para pedir asilo não foram autorizadas a atravessar a fronteira. O ACNUR está a acompanhar esta situação? Já entraram em contacto com as autoridades do país?
ML: Nós fizemos uma missão de monitorização de fronteira em Negomane em dezembro de 2020. Já nessa altura o ACNUR verificou no local que várias pessoas tinham sido devolvidas a Moçambique e temos vindo a reportar estes e outros casos de pessoas que afirmam ter sido forçosamente devolvidos da Tanzânia, quando tentavam escapar à perseguição e violência de grupos armados não estatais. São centenas de pessoas.
Nestes relatórios constatamos que aqueles que entram no país vizinho são conduzidos pelas autoridades locais a centros e mais tarde são levados para o posto fronteiriço de Mtambaswala na Tanzânia. Lá estes moçambicanos são aconselhados a atravessar a ponte e a regressar ao seu país de origem através deste ponto fronteiriço onde nós estivemos, em Negomane, em Moçambique, no distrito de Mueda.
Relativamente a esta situação e a estes números mais recentes, são informações recolhidas em Cabo Delgado e, sim, existem mais de mil pessoas que regressaram após cruzarem a fronteira para a Tanzânia depois dos ataques de Palma que começaram a 24 de março. Portanto, estes mil [cidadãos] já têm a ver com os ataques a Palma.
Continuamos a receber testemunhos preocupantes e estamos a reportá-los em conformidade aos nossos colegas do lado da Tanzânia e gostamos de recordar a todos os membros da Convenção de Genebra de 1951 e da Convenção da União Africana de 1969 para a proteção dos refugiados que todos estes Estados têm o dever internacional de respeitar os princípios fundamentais referidos nestas convenções, incluindo o acesso ao asilo e à não devolução, ou seja, que ninguém deve ser devolvido a um lugar onde acredita existir um receio fundado de perseguição contra as suas vidas, nem ninguém deve ser impedido de entrar num país quando está a pedir asilo por esse mesmo receio.
DW África: Os ataques armados no norte de Moçambique provocaram cerca de 700 mil deslocados nos últimos três anos. Este número poderá em breve chegar a um milhão se a violência continuar?
ML: Sim. Fizemos um cálculo e se o conflito continuar poderemos chegar a um milhão [de deslocados] em junho.
DW África: Nestas regiões mais afetadas contam também com a ajuda e apoio das comunidades locais?
ML: Sim, têm sido fantásticas. Graças à população de Pemba, vamos conseguindo gerir os nossos fundos que são poucos. Também temos um link para doar especificamente para esta emergência em Cabo Delgado.