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Cabo Delgado: O que leva os terroristas a atacar o litoral?

2 de abril de 2021

Analistas ouvidos pela DW África acreditam que terroristas do norte de Moçambique atacam distritos estratégicos para circular "à vontade" e "criar grandes dificuldades à implantação dos projetos de gás e petróleo".

Mosambik Binnenvertriebene aus Cabo Delgado
Foto: Privat

Desde 2017, a província nortenha de Cabo Delgado, em Moçambique está a braços com ataques de terroristas, que já provocaram a morte de mais de duas mil pessoas e cerca de 700 mil deslocados. 

O último ataque do grupo foi na última quarta-feira (24.03), à vila de Palma, no extremo norte da província e palco do maior projeto de gás natural em África.

Desde que começaram os ataques armados em Cabo Delgado, os insurgentes já atacaram Mocímboa da Praia, Macomia, Nangade e Palma.

Foto: Roberto Paquete/DW

Para o historiador Yussuf Adam, a escolha destes distritos é estratégica para dificultar a ligação entre a capital provincial, Pemba, a Palma por via terrestre. 

"Controlando Mocímboa da Praia, a ligação por estrada com o distrito de Palma saindo de Pemba fica cortada, a única hipótese para ir a Palma é via barco ou avião", explica.

Por outro lado, Adam considera que neste momento, os insurgentes criaram um corredor onde conseguem circular "à vontade", no planalto de Mueda, "que começa da aldeia de Namile, na Mocímboa da Praia, ao distrito de Palma".

Ataque a Palma é demonstração de força

Foto: Dyck Advisory Group/REUTERS

Para o pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económico (IESE), Sérgio Chichava, o mais recente ataque é uma demonstração dos terroristas de que "não estão fragilizados".

"O ataque a Palma, em termos de magnitude e aquilo que os insurgentes querem demostrar, foi o que teve mais impacto de todos", afirma Chichava.

Para Yussuf Adam, o ataque a Palma serve também para tentar criar grandes dificuldades à implementação dos projetos de gás e petróleo: "Estão a tentar de alguma forma representar aquelas que são as queixas da população sobre os benefícios da exploração dos recursos naturais".

"Ausência do Estado"

Quase quatros anos depois do primeiro ataque deste grupo, em Mocímboa da Praia, o Estado moçambicano ainda não consegue controlar as incursões.

No entender de Chichava, "a insurgência tem uma facilidade de inserção naquela zona devido ao sentimento da ausência do Estado".

"As pessoas não têm nenhuma perspectiva, o que torna o terreno fértil para atrair jovens a aderirem à insurgência", acrescenta.

Foto: DW

Assim também analisa o historiador Yussuf Adam, para quem os insurgentes ganham mais espaço na província porque encontram comunidades frustradas com o Governo. 

"Foram instalados projetos de desenvolvimento em Cabo Delgado, em locais onde já havia gente a viver, sem se ter em conta a satisfação destas pessoas e sem lhes dar benefícios palpáveis", lembra o historiador, frisando que "benefícios palpáveis não é construir uma aldeia de reassentamento".

Por outro lado, Adam acredita que o excesso do uso da força por alguns elementos das Forças de Dedfesa e Segurança (FDS) pode ter obrigado alguns jovens a aderir à insurgência. "Houve muita violência contra as pessoas consideradas do contra, ou pessoas que pensa diferente e isso é terrível", observa.

Um estudo recentemente lançado pelo IESE indica que há focos de recrutamento de jovens para engrossar as fileiras dos insurgentes em Cabo Delgado nas províncias de Niassa e Nampula. De acordo com o estudo, nestas províncias, o grupo está a explorar factores sociais e económicos, políticos e religiosos para o recrutamento de jovens.

Expectativas frustradas

Yussuf Adam - HistoriadorFoto: privat

O historiador Yussuf Adam recorre à história para traçar outros cenários que também podem estar a contribuir para o conflito em Cabo Delgado, apontando um passado histórico de guerras, a luta pela libertação nacional e a guerra dos 16 anos. No entanto, ressalva o facto desta província ter sido "uma espécie" de berço da luta pela libertação fez com que as pessoas tivessem expectativas de um futuro melhor.

"As pessoas estavam à espera dos grandes benefícios por terem participado na luta armada, mas dizem que eles [o Governo], estão há 50 anos a prometer-nos o desenvolvimento".

Mas como travar o avanço as incursões dos terroristas em Cabo Delgado?

O especialista em assuntos militares Albino Forquilha considera "a ausência máxima da inteligência e contra inteligência militar", como fatores que estão a favorecer as ações dos terroristas no norte do país.

"Não estamos a ter informações que nos possam conduzir a colocar os insurgentes na defensiva", afirma Forquilha.

O analista suspeita que a facilidade com que os insurgentes têm acesso às informações relevantes das Forças de Defesa e Segurança resulta da colaboração de algumas pessoas dentro das FDS com os terroristas.

Albino Forquilha - especialista em assunto militaresFoto: Fórum para a Investigação de Crimes e Reinserção Social

"E aí penso que a contra inteligência militar não está a funcionar. Porque pode haver indivíduos que estão a favorecer as incursões dos insurgentes".

O pesquisador Sérgio Chichava considera também que "muitas coisas" estão a falhar na atuação das FDS, porque "em muitos ataques, os insurgentes conseguiram infiltrar-se nas FDS, alguns deles apresentando guias de transferência, supostamente passadas por algumas individualidades estatais".

Albino Forquilha destaca ainda que é preciso uma maior colaboração entre o exército moçambicano com as comunidades locais, para compreender as movimentações dos terroristas.

Para isso, afirma, "é preciso criar uma relação amigável com a população para que esta compreenda que as FDS estão ai para a sua proteção".

A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado

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