Organizações admitem que, numa situação de conflito, pode haver crianças a ser treinadas pelos insurgentes. E apelam: mais do que nunca é preciso salvaguardar os direitos dos menores para que não se tornem terroristas.
Publicidade
Organizações não-governamentais assumem que há crianças que podem estar a ser treinadas pelos insurgentes para praticar atos de terror na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
A associação Fala Minha Criança confirma o desaparecimento de um número considerável de menores durante as incursões dos insurgentes na região e admite que alguns deles podem ter integrado as fileiras dos terroristas.
Segundo Raquel Massinga, gestora de parcerias, comunicação e género da ONG, o que as comunidades reportam é que os terroristas, "quando capturam essas crianças, decapitam e extraem órgãos, usando-os como uma espécie de ritual, para aquelas crianças comerem essa carne humana, habituarem-se à situação" e não terem medo de matar.
"É uma espécie de rito de iniciação. Elas comem aquela carne e vão sentir-se preparadas para poderem atacar outros humanos sem nenhum remorso", refere a também socióloga.
Massinga não acredita que crianças estejam a ser usadas como espiões nos centros de acomodação, como dizem alguns relatos. Já nas comunidades que temem abandonar as suas casas, apesar dos ataques, a especialista admite que poderá haver menores em risco.
Porém, contrapõe: "Manipular uma criança é muito fácil, mas quando uma criança está numa situação de bem-estar, talvez possa não querer voltar ao mato."
A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado
02:28
Como impedir o recrutamento de crianças?
Rui Mutemba, coordenador de comunicação na organização Save the Children, refere que, "do mesmo jeito que os adultos são usados e convencidos a agirem contra outros seres humanos", as crianças podem ser "um instrumento ao serviço da guerra".
Publicidade
Isso é absolutamente condenável, acrescenta Mutemba, adiantando que já há um trabalho que está a ser feito em distritos não afetados pelo terrorismo para proteger as crianças vindas de zonas de conflito.
"Nós fazemos uma integração dessas crianças dentro de uma família de acolhimento e, dentro do possível em famílias de pessoas próximas, que tenham vivido na mesma zona, que conheçam os pais dessas crianças ou mesmo familiares. Mas evitamos que essas crianças fiquem sozinhas."
Para evitar que crianças se juntem às fileiras dos terroristas, Raquel Massinga, da Associação Fala Minha Criança, diz que todos os direitos devem ser salvaguardados: "É preciso que esta criança tenha acesso a escola, a hospital, que tenha todos os seus direitos respeitados."
De acordo com a socióloga, enquanto isso não acontecer, "facilmente" poderá haver crianças no futuro que podem ser instrumentalizadas pelos insurgentes.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.