ONG pedem investigação sobre desaparecimento de jornalista
Lusa | ms
29 de abril de 2020
Numa carta enviada ao Presidente moçambicano, organizações alertam sobre violação de direitos humanos em Cabo Delgado e apelam a uma investigação "imediata e eficaz" sobre o desaparecimento do jornalista Ibraimo Mbaruco.
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Na carta enviada a Filipe Nyusi, as organizações manifestaram uma "profunda preocupação com o agravamento na situação de direitos humanos no norte de Moçambique, em particular no que respeita aos relatos de violência contra civis pelas forças de segurança estatais, nomeadamente a Unidade de Intervenção Rápida (UIR) e o Grupo de Operações Especiais (GOE)".
A missiva denuncia o "assédio e intimidação" contra jornalistas por parte destes elementos das forças de segurança, "simplesmente por fazerem o seu trabalho" naquela região. "Estamos especialmente preocupados com o desaparecimento forçado" de Ibraimo Mbaruco, da Rádio Comunitária de Palma, em Cabo Delgado, em 7 de abril, escrevem.
A missiva, enviada na segunda-feira (27.04) ao chefe de Estado moçambicano, acrescenta que, "na última comunicação conhecida", Ibraimo Mbaruco disse que estava "cercado por militares".
As 17 organizações que subscreveram a carta apelam a uma investigação "imediata, completa e eficaz" ao desaparecimento deste jornalista.
As autoridades também devem "assegurar a aplicação plena do processo jurídico devido, incluindo garantias tais como o direito a ser informado da acusação formal, o acesso a representação legal e a ser presente em tribunal no prazo de 48 horas".
Abusos de direitos humanos
Estas organizações lembram Filipe Nyusi de que o Governo "tem o direito e o dever de velar pela segurança dos seus cidadãos, protegendo-os de ataques de insurretos" e que a estratégia para combater o terrorismo tem de "respeitar e afirmar os direitos humanos, incluindo o direito de liberdade de expressão e o direito de liberdade de imprensa".
Por isso, as entidades subscritoras da carta instam as autoridades a investigar de forma "imediata, completa, imparcial e eficaz as alegações de violações de abusos de direitos humanos" que foram cometidas por elementos das forças de segurança.
Bispo de Pemba #explica situação humanitária em Cabo Delgado
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Também é pedida a adoção de "medidas proativas para proteger os seus cidadãos do uso excessivo da força pelas forças de segurança".
A missiva é assinada pela Africans Rising, Amnistia Internacional, Associação dos Jornalistas de Cabo Verde, CENTRO Democracia e Desenvolvimento, CIVICUS, Comité para Proteção dos Jornalistas, Friends of Angola, Federação de Jornalistas de Língua Portuguesa, Federação Nacional dos Jornalistas (Brasil), Instituto Internacional da Imprensa, Instituto de Media da África do Sul.
Também assinaram esta carta as organizações Repórteres Sem Fronteiras, Solidariedade Moçambique, OMUNGA, Southern African Human Rights Defenders Network, Southern African Litigation Centre e o Fórum dos Editores Africanos.
Ataques em Cabo Delgado
Em 22 de abril, o Presidente de Moçambique admitiu que houve "violações involuntárias" dos direitos humanos pelas autoridades em Cabo Delgado, onde grupos armados têm protagonizado ataques desde outubro de 2017.
Cabo Delgado, região onde avançam megaprojetos de extração de gás natural, tem vindo a ser confrontada com ataques de grupos armados classificados como uma ameaça terrorista. As incursões já mataram, pelo menos, 400 pessoas desde outubro de 2017.
Enquanto as Forças de Defesa e Segurança tentam conter as incursões destes grupos, denúncias de violações contra cidadãos e jornalistas são frequentes.
Em 2019, dois jornalistas locais na região que cobriam o tema, Amade Abubacar e Germano Adriano, foram detidos e maltratados pelas autoridades durante quatro meses, sob acusação de violação de segredos de Estado e incitamento à desordem, num caso contestado pelas Nações Unidas e outras organizações.
As autoridades moçambicanas contabilizam 162 mil afetados pela violência armada naquela província, 40 mil dos quais deslocados das zonas consideradas de risco, maioritariamente situadas mais para o norte da província, e que estão a receber assistência humanitária na cidade de Pemba, a capital provincial.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.