Organização cristã ACN alerta para "relatos altamente preocupantes" de populações em fuga após novos ataques insurgentes no norte de Moçambique e alerta para agravamento de situação humanitária já muito precária.
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A organização cristã Ajuda à Igreja que Sofre (mais conhecida por ACN, na sigla em inglês) denunciou na quinta-feira (16.02) a fuga de missionários e outro pessoal ligado à Igreja Católica de alguns distritos de Cabo Delgado para a capital provincial, Pemba.
Paulo Aido, da ACN, teme um descontrolo da situação e alerta para dificuldades na assistência humanitária já precária na província.
DW África: Qual é a situação destas pessoas em fuga em Cabo Delgado?
Paulo Aido (PA): Os relatos que nós temos são preocupantes, pois traduzem aquilo que está a acontecer - uma série de ataques por parte dos grupos terroristas, em diversas aldeias. Em alguns casos, os relatos dão conta de que são ataques quase em simultâneo, em vários locais ao mesmo tempo, e com alguma violência, nomeadamente contra as estruturas da igreja. Em algumas aldeias, a igreja, a capela ou a casa do padre foram queimadas, bem como as estruturas administrativas que existiam nesses locais e também casas de pessoas. Há uma violência crescente.
Cabo Delgado: O conflito estará longe do fim?
05:26
Os relatos são muito preocupantes também pelas suas consequências no plano humanitário, que já é extremamente grave nesta região norte de Moçambique. Não podemos esquecer que Cabo Delgado é a região mais pobre de Moçambique, que é, por sua vez, um dos países mais pobres do mundo. Há também aproximadamente um milhão de deslocados.
Estes novos ataques vêm novamente provocar a fuga das populações, depois de um período de certa acalmia e de uma tentativa de regresso das populações às suas aldeias de origem. Neste momento, está a acontecer exatamente o inverso. E esta fuga das populações coincide com uma fase em que as organizações de apoio humanitário, como a Cáritas Diocesana de Pemba, estão com os armazéns vazios. Isto é uma situação duplamente preocupante.
DW África: Havendo um vazio de segurança na província e até recomendações de governos como o de França aos seus cidadãos para que não permaneçam em Cabo Delgado, é viável para outras organizações continuarem a trabalhar na província nestas condições?
PA: A Cáritas Diocesana de Pemba e a igreja, por exemplo, continuam presentes na região. Para organizações estrangeiras ou outras entidades ligadas ao apoio humanitário a situação pode vir a tornar-se muito preocupante. Esta informação da embaixada de França em Moçambique é um sinal claro do agravamento da insegurança nesta região. É preciso não esquecer que tem havido alguns confrontos entre os grupos insurgentes no norte de Moçambique, também com forças militares do exército de Moçambique e dos países que estão a dar apoio, e tem havido mortes por parte desses soldados.
A situação pode estar de alguma forma a caminhar para algum descontrolo e as consequências no plano humanitário são altamente preocupantes. Cabo Delgado não tem recursos para apoiar toda esta população que está de mãos completamente vazias e que precisa de ajuda para sobreviver no dia-a-dia.
Nampula: "Terra prometida" não consegue albergar mais "peregrinos"
Nampula tornou-se, desde o início dos ataques terroristas em Cabo Delgado, uma das "terras prometidas" para os refugiados. Muitos deslocados querem agora fixar ali residência, mas há dificuldades por falta de espaço.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Dificuldades em acolher mais pessoas
Muitos deslocados querem fixar residência em Nampula, uma cidade desenvolvida e calma no norte de Moçambique. No entanto, sentem fortes dificuldades devido à falta de terras disponíveis. O Governo local tenta encontrar soluções, que muitas vezes não são as que os habitantes mais gostam.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Há novas construções em zonas de risco
O fluxo populacional que a cidade de Nampula está a conhecer nos últimos anos, principalmente desde os conflitos em Cabo Delgado, tem contribuído para o aumento da construção de habitações em locais de risco. Até 2017, a cidade contava com mais de 700 mil habitantes, mas atualmente, de acordo com fontes do município, estima-se que sejam cerca de 900 mil.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Vende-se terreno: uma violação da lei que é ignorada
Em Moçambique, de acordo com a lei, a terra não pode ser vendida. Os terrenos são propriedade do Estado e cabe ao mesmo atribuí-los aos cidadãos. No entanto, as vendas ocorrem com regularidade. Em Nampula, em todos os bairros, incluindo os que estão em expansão, os terrenos são vendidos com um olhar indiferente por parte das instituições que velam pela legalidade.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
“Conflito por terras” entre mortos e vivos
A procura de espaço para viver está a originar o aumento de conflitos. Na zona do Muthita, no bairro de Mutauanha, a população invadiu áreas de reserva para construção de diversas infraestruturas do município. Esta imagem mostra uma disputa de terra num cemitério comunitário, entre os mortos e os cidadãos que o invadiram, tirando o sossego dos defuntos.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Naphutha: um rio resistente
O Rio Naphuta é fundamental no abastecimento de água da população do bairro de Mutauanha. Contudo, a sua existência é cada vez mais difícil. O rio sofre uma forte pressão humana, devido às construções de moradias e alterações climáticas.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Moradores unem esforços e abrem estrada
Na Unidade Comunal Muthita, no bairro de Mutauanha, os moradores decidiram unir-se. Recorrendo a enxadas, ancinhos, entre outras ferramentas de trabalho agrícola, decidiram abrir estradas. Embora de dimensões reduzidas, estes caminhos em terra batida permitem a mobilidade de viaturas pequenas.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Terras “sem ninguém”
A cidade de Nampula é a maior do norte de Moçambique. Na sua área ainda permanecem vastas terras férteis e intactas. Contudo, muitos cidadãos preferem ignorá-las devido à falta de condições mínimas. Em algumas destas zonas não ocupadas têm sido feitas delimitações de terrenos, mas a distribuição dos mesmos não tem sido frequente.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Nem tudo é negativo
A lotação da cidade moçambicana de Nampula não está apenas a criar pesos negativos. Os bairros de expansão da cidade estão também a conhecer novas e melhores moradias. Há nestes bairros luz e água. No entanto, a oferta desta última, por parte do Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), não dura as 24 horas do dia.
Foto: Sitoi Lutxeque/DW
Fábricas consomem mais terras
O “boom” populacional na cidade não está a travar o desenvolvimento. Nos últimos anos, a cidade tem vindo a conhecer um aumento de novas infraestruturas económicas e vários investimentos que consomem extensas terras. Ao longo da Estrada Nacional número 1, desde a entrada até à saída da cidade, há novas construções de indústrias a surgirem.