Confrontos armados na vila de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, estão desde a madrugada de sábado (27.06) a provocar a fuga da população, três meses depois de uma invasão.
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Residentes ouvidos pela agência Lusa afirmam que os militares moçambicanos estão a combater grupos armados que se supõe serem os mesmos que a 23 de março ocuparam a vila costeira durante um dia, numa ação depois reivindicada pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico.
Em pelo menos dois dos depoimentos é relatado que há mortes na sequência dos confrontos deste sábado, mas sem mais detalhes.
Este é o maior confronto de que há relato em Cabo Delgado desde a ocupação por insurgentes da vila de Macomia, entre 28 e 30 de maio, e consequente confrontação com as forças de defesa e segurança moçambicanas.
Mocímboa da Praia é uma das principais vilas da província, situada 70 quilómetros a sul da área de construção do projeto de exploração de gás natural conduzido por várias petrolíferas internacionais e liderado pela Total.
Disparos e casas queimadas
Um residente relatou que os estrondos de armas e disparos começaram nos subúrbios da localidade durante a madrugada. Dadas as experiências anteriores, logo ao ouvirem os primeiros disparos, começou a debandada dos moradores para o mato e para o porto, relatou.
Um dos residentes disse ter visto algumas instalações queimadas na escola secundária da vila, assim como danos na casa protocolar do administrador e descreveu também haver helicópteros e carros militares das forças moçambicanas em ação.
Pela mesma hora, um morador mostrava estar num barco cheio de gente em fuga, posicionando-se ao largo da vila e aguardando pela evolução da situação para decidir se regressavam, ou se se refugiavam noutra ilha.
Vítimas de ataques em Cabo Delgado em fuga pela vida
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É relatado haver sempre som de armas de fogo, mas sem que os confrontos tenham chegado ao centro da vila, mantendo-se sobretudo nos bairros em redor.
"O meu pai ligou-me para avisar que queimaram as suas duas casas. Acredito que mataram muita gente", disse à Lusa fonte local que também fugiu para o mato devido aos confrontos. "Saí a pé, logo cedo. Estávamos só a ver a fumaça", acrescentou.
A Lusa contactou o porta-voz do Comando Geral da Polícia da República de Moçambique, Orlando Modumane, que remeteu quaisquer esclarecimentos para comunicados a emitir pelo comando conjunto de operações.
Ocupações temporárias
Mocímboa da Praia foi ocupada por um dia, a 23 de março, por rebeldes armados que destruíram várias infraestruturas numa ação reivindicada pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico. Na altura, o grupo disse ter invadido cinco posições do exército e polícia moçambicanos, apreendido armas e provocado dezenas de mortes e feridos.
As autoridades anunciaram ter retomado o controlo da vila a 24 de março, numa altura em que parte da população já tinha fugido para o mato, estimando-se que a vila concentrasse cerca de metade dos 124.000 habitantes do distrito.
Depois de Mocímboa da Praia, os confrontos armados levaram nos meses seguintes à ocupação temporária por insurgentes das vilas de Quissanga, Muidumbe e Macomia - esta no final de maio, altura em que as forças moçambicanas anunciaram ter abatido 78 terroristas, entre os quais, dois cabecilhas.
A violência armada dos últimos dois anos e meio já terá provocado a morte de, pelo menos, 700 pessoas e uma crise humanitária que afeta cerca de 211.000 residentes.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.