Em Moçambique, o recenseamento para as eleições gerais de 15 de outubro arrancou há uma semana e meia. Mas, na província de Cabo Delgado, há zonas que ainda não foram abrangidas pelo processo. RENAMO aponta falhas.
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O recenseamento eleitoral ainda não começou em muitas localidades na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, enquanto no resto do país o processo já decorre há mais de uma semana. Isto porque várias aldeias em Mocímboa da Praia, como Metambate e Megule, e outras localidades nos distritos de Macomia e de Palma continuam vazias desde o início dos ataques armados naquela região, em 2017.
Apesar da relativa calma registada nos últimos tempos e dos apelos das autoridades, muitas populações ainda não regressaram às zonas de origem.
Entretanto, nenhum posto de recenseamento eleitoral está a funcionar nessas localidades, conta um observador de uma organização não-governamental que monitoriza o processo, que pede para nao ser identificado por temer represálias.
Cabo Delgado: Recenseamento eleitoral ainda não arrancou
"Neste momento, o Governo fez um grande reforço para montar uma mesa de recenseamento na zona de Ilala, no mesmo posto, e mandou lá uma força de diferentes especialidades. Sendo assim, a população que estava na vila de Macomia já está sendo evacuada para aquela localidade administrativa [Ilala] para permitir o recenseamento".
A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o principal partido da oposição, contabiliza pelo menos 24 postos de recenseamento inativos, onde o processo "ainda não arrancou na sua totalidade".
"Situação um pouco complicada"
Mas há locais com outros problemas. Segundo Manuel Alex, delegado político provincial da RENAMO em Cabo Delgado, "mesmo naqueles postos onde já arrancou, ainda continuam a ter dificuldades de mobiles, geradores. Então, a situação está um pouco complicada".
Manuel Alex fala também no distrito de Chiúre, onde apesar de nunca se ter registado instabilidade, existem zonas onde o processo enfrenta imensas dificuldades, que, a seu ver, visam prejudicar a RENAMO.
Numa conferência de imprensa na segunda-feira (22.04), a porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Cabo Delgado, Eugénia Nhamussua, garantiu que o recenseamento teve início e decorre normalmente em toda a província.
"A primeira semana decorreu bem, não tivemos nenhum caso de alarme. Quanto a mais atualizações, vamos acompanhando o que está a ser desempenhado pela força operativa e poderemos com mais vagar informar como é que o recenseamento eleitoral está a decorrer", afirmou.
A DW contactou o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), mas até ao momento não conseguiu obter declarações sobre o processo. No início da semana, o diretor provincial do STAE, Cassamo Camal, garantiu à imprensa que todos os postos de recenseamento previstos para Cabo Delgado já estavam operacionais.
Segundo dados oficiais, na província de Cabo Delgado foram registadas até agora 142 mil pessoas, ou seja, 22% do total previsto. Em todo o país, o STAE diz ter registado mais de 900 mil eleitores na primeira de sete semanas de recenseamento eleitoral.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".