Moçambique: Repressão em garimpos pode gerar radicalização
Lusa
18 de abril de 2022
Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) alerta para o risco de radicalização devido à repressão violenta de jovens garimpeiros ilegais no norte de Moçambique, onde já existe uma insurgência armada.
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"A aposta em soluções que implicam o uso de forças de segurança e a privação de liberdade pode, por um lado, afetar negativamente as relações entre a empresa concessionária e as comunidades locais e, por outro, levar à radicalização dos jovens envolvidos na mineração ilegal de rubis", lê-se numa nota de análise distribuída pela oNG esta segunda-feira (18.04).
A maior parte das pessoas envolvidas em operações de mineração ilegal de rubis é constituída por jovens, "sem formação profissional e privados de oportunidades económicas".
São pessoas que "encontram naquela atividade artesanal uma fonte de sustento", pelo que "investir na sua repressão e prisão pode contribuir para a criação de um sentimento de revolta, aumentando assim os riscos de vulnerabilidade ao recrutamento pelos grupos extremistas que protagonizam ataques no norte de Cabo Delgado", acrescenta.
Mineração ilegal em Moçambique é um problema
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Mineração ilegal
Em causa está a persistência da mineração ilegal na área concessionada à Montepuez Ruby Mining (MRM), no sul de Cabo Delgado, faixa livre dos ataques armados que desde 2017 afetam a província, mas que acolhe deslocados de guerra e é também espaço aberto ao recrutamento.
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Por outro lado, a precariedade do garimpo ilegal faz com que haja notícias frequentes de mortes nas zonas de escavação.
A continuidade dos garimpeiros ilegais, apesar dos riscos e repressão, "mostra que o problema não será resolvido apenas com operações policiais ou processos judiciais", assinala o CDD.
As diligências legais devem ser complementadas "por iniciativas concretas de diálogo franco e aberto envolvendo a MRM, as autoridades locais e as comunidades que vivem nas proximidades da concessão mineira".
"Só dialogando com as comunidades locais é que a empresa concessionária poderá obter a licença social para continuar a explorar a mina de rubi de Namanhumbir, sem incidentes", acrescenta.
"Mudar a forma de bater" para combater a insurgência
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Condenação de garimpeiros ilegais
A posição do CDD surge na sequência de um comunicado de imprensa de quarta-feira em que a MRM (subsidiária da britânica Gemfield) - que explora um dos maiores depósitos de rubis do mundo - anuncia a decisão do Tribunal Judicial do Distrito de Montepuez: a condenação de várias pessoas pela prática de crimes de invasão e mineração ilegal na área concessionada à empresa.
Além do diálogo, "ações de responsabilidade social corporativa são necessárias para construir um sentimento de inclusão socioeconómica entre as famílias que vivem em Namanhumbir", destaca o CDD.
"Quando as comunidades começarem a sentir os benefícios da extração de rubis elas serão mais proativas na prevenção e combate à mineração ilegal", conclui.
A MRM possui cerca de 34 mil hectares de concessão para exploração de rubis em Cabo Delgado e apresenta-se como a principal investidora na extração de rubis em Moçambique, sendo detida em 75% pelo grupo Gemfields e em 25% pela moçambicana Mwiriti Limitada.
Desde janeiro de 2011, as vendas da Montepuez Ruby Mining representam 94% dos fluxos monetários do país relativos a esmeraldas, rubis e safiras, segundo a companhia. A MRM arrecadou 731 milhões de dólares (665 milhões de euros, no câmbio atual) resultantes de 15 leilões realizados desde o arranque das suas operações em 2011, segundo dados avançados pela empresa em dezembro.
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.