"Esse é um risco iminente", responde o Fórum das Rádios Comunitárias em Moçambique. É que nem todas rádios são destruídas pelos terroristas, alerta a FORCOM. Contudo, o Governo pode facilmente cortar isso, sublinha.
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Garantir o direito da população ao acesso à informação tem sido quase impossível nas áreas visadas pelos terroristas.
A responsável do Fórum das Rádios Comunitárias em Moçambique (FORCOM), Ferosa Zacarias, diz que "agora as pessoas observam, mas não reportam, porque há um certo medo, há uma insegurança total que ninguém tem coragem de reportar o que está a acontecer em Cabo Delgado".
DW África: até que ponto o terrorismo condiciona o funcionamento das rádios comunitárias em Cabo Delgado?
Ferosa Zacarias (FZ): O conflito militar está a condicionar o funcionamento de toda a máquina social, antes de falar das rádios comunitárias, porque as rádios comunitárias estão inseridas na comunidade. E onde não há vida humana livre não há como funcionar uma rádio comunitária. Então, de forma particular, o terrorismo implicou o encerramento de todas as rádios que se encontram nos distritos afetados pelo conflito militar. Neste momento, o FORCOM, ou rádios filiadas ao fórum, só temos uma a funcionar de forma plena na capital, Pemba. O terrorismo está a ditar o silenciamento da voz do povo nos distritos afetados pelo conflito.
DW África: Entretanto, o direito a informação está consagrado na Constituição. O que acha que é preciso fazer para que esse direito seja exercido na sua plenitude?
FZ: Em primeira instância, é preciso que se esclareça as situações ocorridas com outros jornalistas e rádios para que, de certa forma, os que ainda podem continuar a informar ganhem coragem de falar sobre essa matéria. Só depois de termos conhecimento de que é possível falar sobre o conflito sem sofrer nenhuma represália ou termos casos de sequestros é que os jornalistas podem voltar a ganhar coragem para falar do conflito militar. Agora as pessoas observam, mas não reportam porque há um certo medo, há uma insegurança total que ninguém tem coragem de reportar o que está a acontecer em Cabo Delgado.
DW África: Preveem alternativas de funcionamento das rádios comunitárias face ao recrudescimento do terrorismo?
Moçambique: Autoridades evacuam deslocados de Pemba
02:16
FZ: Neste momento, através da Rádio Sem Fronteiras, em Pemba, estamos a funcionar. Acho que de forma alternativa, porque essa rádio procura fazer-se presente nos centros de acomodação dos deslocados internos. E ampliou o raio de cobertura para garantir que a informação, de certa forma, consiga chegar aos pontos onde não temos uma rádio fisicamente instalada, essa é a primeira alternativa. Não falo do Facebook e outras plataformas [das redes sociais] porque estão completamente indisponíveis para quem se encontra nessas localidades.
DW África: E qual é o risco de os terroristas usarem as rádios para emitirem mensagens radicais?
FZ: Esse é um risco iminente, porque eles destroem uma e outra rádio, queimam o equipamento. Mas há rádios que eles tomam, continua lá todo o equipamento nas rádios, não foi possível resgatá-lo. Significa que a rádio pode ser usada para outros fins da sua alçada. Mas acho que em relação a esse ponto, através do Governo e órgãos de tutela, é possível cortar a frequência, a sua transmissão, mas nalgum momento pode ser usada [para difundir mensagens radicais].
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.