Há refugiados moçambicanos repatriados compulsivamente da Tanzânia que chegam em situação débil, revela o ACNUR. A agência reporta, por exemplo, casos de separações de famílias que fogem do terrorismo em Cabo Delgado.
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Mas o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) garante que protege os refugiados, atribuindo bens essenciais como kits de cozinha, colchões e cobertores. Para além disso, forma ativistas refugiados e a comunidade moçambicana que os acolhe em solo pátrio. Conversámos com a diretora do ACNUR em Cabo Delgado, Margarida Loureiro:
DW África: A Tanzânia tem a obrigação de apoiar emergencialmente os refugiados durante o proceso de repatriamento?
Margarida Loureiro (ML): Da nossa parte, protegemos quem está dentro das fronteiras de Moçambique. Mas todos aqueles que cruzam a fronteira e que querem aceder ao sistema de asilo de outro país, devem ter essa oportunidade, de serem protegidos pelo país a quem pedem asilo.
DW África: Sim, mas essas pessoas são deportadas compulsivamente, já ouviu, por exemplo, o relato de algum moçambicano que diga “neste processo de viagem, a Tanzânia apoiou-nos, deu-nos transporte ou um kit de alimentação até ao destino de viagem”?
ML: Não tenho esse tipo de relato. Os relatos que temos das pessoas que cruzam as fronteiras, é que são transportadas em viaturas, camiões, autocarros, novamente para Moçambique.
DW África:O que é que o Governo moçambicano está a fazer para ajudar estas pessoas deslocadas?
ML: Estão a trabalhar connosco nessa zona, estão a dar-nos apoio de várias formas. Como se trata de uma zona de difícil acesso, são 14 horas de viagem, com vários “checkpoints”, uma zona de risco, só com as autoridades é que conseguimos levar os nossos camiões com ajuda e com outros parceiros humanitários é que conseguimos estar lá e dar a formação. Temos trabalhado muito de perto com a ação social, guardas de fronteira, polícia local. Todos têm apoiado, porque para eles também lhes causa impacto aquela situação e querem proteger as pessoas. Temos tido a melhor das receções nas fronteiras, a nível humano, por parte das autoridades moçambicanas. Não só das autoridades de fronteira, mas também da ação social para os mais diversos serviços, e também de saúde, que la escasseia. Temos pessoas que chegam num estado de saúde muito frágil, pela fuga e por tudo o que lhes aconteceu em Moçambique.
DW África: Negomane é considerada uma zona de risco de ataques terroristas?
ML: Toda a região de Cabo Delgado está numa situação complicada. O conflito dentro da província está mais a norte. Toda aquela zona desde Palma, Mueda – ainda não temos acesso lá, são zonas de risco, de conflito armado. Qualquer zona onde damos assistência, temos de calcular o risco.
Exposição: "Cabo Delgado é Moçambique, Moçambique é Cabo Delgado"
A Galeria do Núcleo de Arte, em Maputo, inaugurou uma exposição coletiva de artes plásticas inspirada no conflito de Cabo Delgado. Metade do valor das obras será revertido para as vítimas dos ataques na província.
Foto: DW
Artistas plásticos aderiram à iniciativa
Os artistas que participaram nesta exposição procuraram se expressar através de obras de pintura, escultura ou cerâmica. A exposição inaugurada a 20 de novembro foi organizada pela "Nós Arte" e estará aberta ao público em geral até 10 de dezembro de 2020. Metade do valor das obras será revertido para as vítimas do conflito em Cabo Delgado.
Foto: DW
Apoio às vítimas de Cabo Delgado
"O nosso intuito é direcionar o que vamos render de cada obra, 50% vai para as necessidades que há em Cabo Delgado e as necessidades são muitas neste momento. Vamos tentar delinear as prioridades: máscaras, desinfetantes, material de higiene para as senhoras, fraldas para as crianças, capulanas, arroz e feijão", esclarece o artista plástico "Chicken", promotor da iniciativa.
Foto: DW
Sensibilização social
"Chicken", o coordenador do Projeto "Nós Arte", explicou que o propósito desta mostra é converter as estatísticas de mortes e refugiados em estética. A expetativa é atingir o âmago da sensibilidade social para que se questione a violência e se solidarize com os moçambicanos vítimas do terrorismo.
Foto: DW
Artistas de Cabo Delgado
"Quando ligamos os noticiários, vemos o que está a acontecer: é a pandemia [da Covid-19], a guerra, a cólera, a malária... Cabo Delgado está a ser afetado por essas coisas", alertou "Chicken" que, como os outros artistas, é de lá oriundo: "O meu sentimento é de muita tristeza porque infelizmente tenho visto amigos e familiares a viverem momentos dramáticos." Obra na foto de Júlia.
Foto: DW
"Esperança da Província" de João Paulo Qhea
"Eu preferi que cada um de nós representasse como se sente no momento no coração e como está de espírito. Não podemos também estar a representar a guerra enquanto queremos paz. Então, cada artista trouxe aquilo que tem e aquilo que sentiu e se inspirou para fazer a sua obra. Não é linear", explicou "Chicken".
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"Artimisia" de Sandra Pizura
Esta pintura de Sandra Pizura representa um grito de silêncio de qualquer coisa como fúria, vingança, inconsciência moral, guerra. André Macie, João Fornasini e Julia são outros dos artistas que participam na exposição "Cabo Delgado é Moçambique, Moçambique é Cabo Delgado".
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"O Jardim da vida" de Samuel Djive
Samuel Djive pretendeu trazer uma ideia daquilo que é o paraíso: "Se o paraíso é um espaço onde temos o bem estar, temos a paz, o amor, temos um progresso, temos uma construção positiva, então é isso que nós queremos para Moçambique. É o que eu quero para Moçambique, um país onde os meus netos e bisnetos se possam sentir orgulhosos de serem moçambicanos", comentou.
Foto: DW
Uma conclusão
Samuel Djive acrescentou que "a mensagem é tentar fazer com que as pessoas tenham a capacidade de dialogar sempre na busca de soluções. Nós, como artistas, faremos a nossa parte, mas existem entidades que são responsáveis por isso. Talvez possamos criar um movimento em que criemos também uma reflexão por parte das entidades responsáveis pela segurança e governação do país."