Cabo Delgado: Violência pode dificultar investimentos no gás
Lusa
31 de dezembro de 2020
A consultora Fitch Solutions disse nesta quarta-feira (30.12) que ataques no norte de Moçambique prejudicam oportunidades para a exploração do gás natural e alertou que a violência pode dificultar futuros investimentos.
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"Os ataques dos insurgentes continuam a ameaçar as oportunidades no Gás Natural Liquefeito (LNG), já que o mais recente ataque ocorreu a cinco quilómetros do projeto da Total na Área 1; os crescentes ataques dos militantes ligados ao Estado Islâmico aumentam o risco de atrasos na construção e podem dificultar futuros investimentos", referem os analistas num comentário sobre os ataques que estão a ocorrer no país.
Na nota enviada aos clientes, esta consultora detida pelos mesmos donos da agência de notação financeira Fitch Ratings escrevem que "a atividade sustentada dos insurgentes em 2021 implica um risco significativo quer à finalização do projeto de construção da fábrica da Total, quer ao desenvolvimento do terminal de LNG da Exxonmobil e da Eni, na Área 4, na bacia do Rovuma, que aguarda ainda uma decisão final de investimento".
Atualmente, acrescentam, "os desenvolvimentos no setor antecipam um aumento da produção para 45 mil milhões de metros cúbicos até 2029, o que significa que o país vai ser um exportador significativo de gás natural".
"Segurança a deteriorar-se"
No entanto, alertam, "a situação de segurança no norte de Moçambique tem continuado a deteriorar-se e a insurgência está a aproximar-se do local de construção das instalações, o que, em conjunto com as perturbações à cadeia de distribuição que fez parar a construção no primeiro semestre devido à Covid-19, aumenta a pressão sobre o objetivo de atingir a capacidade prevista para 2024".
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Em janeiro, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral vai reunir-se para debater a situação de segurança na região, e os analistas da Fitch Solutions afirmam que "uma resposta regional abrangente de apoio a Moçambique vai aumentar as capacidades de defesa, que já estão a ser apoiadas por elementos do setor privado"; acrescentando, ainda assim, que "até agora Moçambique recebeu muito pouco apoio em termos de segurança dos seus pares regionais, o que deixa os projetos e as instalações em grande risco de serem atacados por terroristas".
Projeto liderado pela Total: 20 mil milhões de euros
O projeto, liderado pela Total, é o maior investimento privado em África, da ordem dos 20 mil milhões de euros. Os novos ataques de terça-feira ocorreram um dia depois de o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, pedir às Forças de Defesa e Segurança "máxima prontidão" face ao "silêncio do inimigo", após operações com "bons resultados" por parte das forças governamentais em Macomia, outro distrito de Cabo Delgado que tem sido afetado com frequência pelas incursões dos terroristas.
Das operações em Macomia, segundo dados oficiais, pelo menos 37 insurgentes foram abatidos e 27 armas foram apreendidas, em operações levadas a cabo pelo 7.º batalhão das Forças de Defesa e Segurança posicionado na região.
A violência armada em Cabo Delgado começou há três anos e está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil deslocados, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
Algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico desde 2019.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.