Cabo Verde: Fórum Internacional de Doadores e Investimentos
Nélio dos Santos
11 de dezembro de 2018
Governo de Cabo Verde defende a passagem do sistema de ajuda pública ao desenvolvimento para um sistema que promova o investimento, produção, comércio e integração em redes.
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O Governo cabo-verdiano pretende nesta Conferência Internacional de Doadores e Investimentos de Paris (11/12.12.) mobilizar cerca de dois mil milhões de euros.
O objetivo é financiar o desenvolvimento do arquipélago lusófono nos próximos anos.
Em entrevista à Televisão de Cabo Verde, o vice-primeiro-ministro, Olavo Correia, explicou que a estratégia não é endividar mais o país, mas atrair mais investimentos.
"O que estamos aqui a lançar sobre a mesa não é mais ajuda pública ou mais endividamento público. O que queremos é mostrar que Cabo Verde é um país de oportunidades onde os investimentos podem ser rentáveis e onde podemos criar as condições para que o país possa atingir um patamar de desenvolvimento no quadro daquilo que é o PEDS (Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável) que visa colocar Cabo Verde num patamar de país desenvolvido".
Fórum dividido em duas partes
Por isso mesmo, a conferência de Paris está dividida em duas partes: a primeira, nesta terça-feira (11.12.) dedicada aos parceiros tradicionais de Cabo Verde como a União Europeia, as Nações Unidas, Luxemburgo, Portugal, BAD (Banco Africano de Desenvolvimento), Banco Mundial e CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). A esses juntam-se novos parceiros da Europa do Leste e dos países árabes.A estratégia do Governo cabo-verdiano é "garantir as necessidades de financiamento para a economia cabo-verdiana nos setores dos transportes, das energias, da água e saneamento, da qualificação dos recursos humanos, da requalificação urbana e da criação de condições para que todas as ilhas possam ter um patamar de desenvolvimento superior. É esse o desafio que está sobre a mesa e nós temos contado com o apoio de vários parceiros", destacou o vice-primeiro-ministro Correia.
Alavancar investimento privado
O segundo e último dia da conferência (12.12.) vai centrar-se em oportunidades para alavancar o investimento privado e conta com a participação de mais de 200 participantes nacionais e estrangeiros do setor privado, que terão a oportunidade de apresentar os seus projetos, para que possam obter o acesso ao financiamento.
O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, advoga que Cabo Verde tem de passar do sistema de ajuda pública ao desenvolvimento para um sistema que promova o investimento.
"O país não será sustentável via ajuda pública ao desenvolvimento. Ajuda pública ao desenvolvimento será apenas uma alavanca para podermos abrir portas mais fortes para o investimento privado".
Ajuda da OCDENa abertura de portas para o investimento privado, Cabo Verde conta com a preciosa ajuda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). É o que se pode depreender das palavras do Director de Cooperação da OCDE, Jorge Silva.
Cabo Verde apresenta um país "em movimento" no fórum de doadores em Paris
"Não vamos conseguir cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030 sem o financiamento privado. Eu gostava de sublinhar a circunstância que na conferência internacional que Cabo Verde está a organizar aqui em Paris não só as organizações internacionais, os governos e os doadores participem neste diálogo, mas também o sector privado mostrando de uma forma muito eloquente que Cabo Verde está a olhar para essa Agenda 2030 numa perspectiva que não é apenas de diálogo entre Estados mas também com o sector privado".
Nesta Conferência Internacional de Doadores e Investimentos que decorre sob o lema "Construindo Nova Parceria para o Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde", as autoridades do arquipélago estão a "apresentar um país 'em movimento' e as medidas a serem tomadas para dar vida à visão de uma "economia circular" integrada" e "explorar oportunidades para um envolvimento mais estratégico com fornecedores das finanças públicas e privadas em apoio às intervenções transformadoras de desenvolvimento".
Os representantes cabo-verdianos estão a apresentar Cabo Verde como "um país parceiro estável e confiável, com registo de realizações", e "ligar os investidores privados às principais oportunidades de desenvolvimento" neste país.
Tarrafal: O Campo da Morte Lenta
O Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do cabo-verdiano Pedro Martins, "um sítio planificado para fazer sofrer as pessoas". Os presos políticos que por aí passaram recordam-no como "Campo da Morte Lenta".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Bastião de tortura
Construído numa das regiões mais agrestes de Cabo Verde, o Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do então preso político cabo-verdiano Pedro Martins, “um sítio planificado, desenhado e construído para fazer sofrer as pessoas”. Para os detidos que por aí passaram, o local ficará para sempre nas suas memórias como o “Campo da Morte Lenta" devido ao regime a que eram submetidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Colónia para desterrados
Situada no concelho do Tarrafal, na ilha cabo-verdiana de Santiago, começou por chamar-se Colónia Penal. Entre 1936 e 1954 recebeu presos políticos portugueses desterrados pelo Governo do Estado Novo. Reabriu em 1961 para aí serem internados militantes anti-regime das colónias portuguesas de Angola, Cabo Verde e Guiné.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Inspirado nos campos nazis
O modo de funcionamento do Tarrafal e a forma como eram tratados os presos eram semelhantes aos de outros campos de concentração existentes no mundo. Castigos, tortura, trabalhos forçados, má alimentação e falta de assistência médica faziam parte do dia-a-dia dos detidos. A maior parte das detenções era feita de forma arbitrária.
Foto: DW/Madalena Sampaio
“Não estou aqui para curar”
Doenças como o paludismo e a biliose ceifaram muitas vidas no Tarrafal. O pequeno posto de socorro aí existente, dividido em duas salas, também servia de casa mortuária. “Não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito”, afirmava Esmeraldo Pais Prata, o médico do campo que tinha a alcunha de “Tralheira”. Gostava de assistir aos espancamentos e a dor dos presos deixava-o indiferente.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Ala dos presos cabo-verdianos
Os primeiros presos políticos de Cabo Verde foram internados no Tarrafal em 1968. O espaço onde estavam detidos era de tal modo exíguo que se tinham de acomodar "como sardinhas enlatadas”, recorda Pedro Martins, que foi detido quando tinha apenas 19 anos. Ao fundo da sala ficava a casa-de-banho, onde através de um transístor clandestino escutavam várias emissoras. Era a famosa "rádio retrete".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Sobreviver à alimentação
Era nesta cozinha que eram preparadas as refeições dos presos. Segundo os detidos, a alimentação era “péssima” e muito pouco diversificada. “Cachupa com uns vestígios de atum era-nos servida diariamente”, descreve Pedro Martins no livro “Testemunho de um Combatente”. Quando se recusavam a comer peixe estragado, “que nem os cães seriam capazes de comer”, o diretor mandava cortar-lhes as refeições.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Quotidiano duro
Nos dias de faxina, os detidos eram obrigados a carregar água em latas suspensas por um fio de arame. E também tinham de carregar a água para lavar as suas roupas para as tinas de betão armado. “Às vezes escasseava a água e tínhamos que a racionar”, lê-se no livro “Testemunho de um Combatente”. Nos meses mais quentes, a temperatura nas celas facilmente ultrapassava os 40 graus.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Testemunhos de sobreviventes
Na antiga cela dos presos políticos angolanos, uma exposição dá a conhecer os rostos de quem sobreviveu ao “Campo da Morte Lenta”. E testemunhos de Angola, Moçambique e Cabo Verde. “A ideia principal era: vim para aqui e não sei se sairei daqui”, lê-se no poster do angolano Vicente Pinto de Andrade, que esteve aqui encarcerado entre 1970 e 1974, juntamente com o seu irmão Justino Pinto de Andrade.
Foto: DW/Madalena Sampaio
A temida "Frigideira"
Também conhecida como “câmara de torturas”, a “Frigideira” era uma caixa rectangular em cimento armado, dividida ao meio, com proporções para conter dois homens. Tinha uma porta em chapa de ferro com cinco pequenos furos na base, em cada divisória, e uma pequena grade de ferro no topo esquerdo. A temperatura aqui podia chegar aos 60 graus, segundo os detidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Tortura na “Holandinha”
No lugar da “Frigideira” foi construída outra cela disciplinar, "pouco mais alta que um homem em pé", com uma pequena janela de grades. Segundo os presos, era um “autêntico forno” onde não tinham capacidade de movimentos. A este cubículo de cimento, que ficava dentro de um espaço anexo à cozinha, deu-se o nome de “Holandinha”, numa referência ao país para onde partiam muitos cabo-verdianos.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação entre presos
A muito custo, os nacionalistas africanos das colónias conseguiam, por vezes, comunicar entre si. Com a ajuda de alguns guardas “infiltrados”, os presos cabo-verdianos enviavam bilhetes aos angolanos que estavam do outro lado do campo, a quem também procuravam aliviar o sofrimento quando estes eram enviados para a “Holandinha”. Tudo feito sob uma “pressão enorme”, recordam hoje os presos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Estudar atrás das grades
No recinto existia também esta biblioteca, cuja instalação foi autorizada ainda na década de 40. Muitos camponeses aprenderam a ler e a escrever no Tarrafal. Segundo o cabo-verdiano Pedro Martins, quase todos os detidos na sua ala passaram a estudar e organizavam-se até horários de estudo. Os presos com mais instrução chegaram a dar formação política aos restantes companheiros.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Vítimas mortais
A detenção no Tarrafal custou a vida a 36 presos políticos: 32 portugueses, dois angolanos e dois guineenses. Entre as vítimas mortais de origem lusa inclui-se Bento Gonçalves, então secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP). Entretanto, vários outros morreram já depois da sua libertação, em consequência dos maus tratos e das condições de vida no campo de concentração.
Foto: DW/Madalena Sampaio
O dia da libertação
Foi por aqui que saíram os últimos presos do Tarrafal, no dia 1 de maio de 1974, uma semana depois da Revolução dos Cravos em Portugal. “O Tarrafal era uma prisão para o resto da vida. Se não fosse o 25 de Abril iríamos morrer todos lá”, afirmou o angolano Joel Pessoa. Nessa altura, a libertação dos presos políticos era uma das principais exigências da população.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Espaço meio abandonado
O campo do Tarrafal só foi definitivamente extinto em 1975. Acabaria por ser transformado em Museu da Resistência, em 2009. Atualmente, o espaço-símbolo da resistência anticolonialista encontra-se em estado de semi-abandono e sem grandes cuidados. Entretanto, o Governo cabo-verdiano constituiu uma comissão para preparar a candidatura do campo a Património Mundial da UNESCO.