A Transportadora Aérea de Cabo Verde encerra hoje as suas operações domésticas, passando tudo para a Binter Cabo Verde.
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31 de Julho de 2017 vai ficar marcado na história como o último dia das operações inter-ilhas da TACV. 59 anos depois da sua fundação a Transportadora Aérea de Cabo Verde deixa de ligar as ilhas do país.
Abalada por uma forte crise de tesouraria, a empresa representa um encargo mensal para o Estado de cerca de um milhão de euros e tem um passivo acumulado de mais de 100 milhões de euros.
Para estancar essa dívida, o ministro da Economia, José Gonçalves, anunciou no dia 23 de maio último o fim da operação doméstica.
"A partir de 01 de agosto a prestação de serviço no mercado da aviação doméstica será descontinuada, passando a ligação aérea entre as ilhas para a responsabilidade da Binter Cabo Verde que se compromete mediante acordo assinado com o Governo ceder 49 por cento do capital social para o Governo de Cabo Verde que posteriormente disponibilizará parte desse capital social ao mercado para aquisição pelos investidores nacionais".
Evitar emcerramento da TACVEsta reestruturação em curso, visa segundo o Governo, evitar o encerramento definitivo da empresa.
31.07. 2017 TACV - MP3-Mono
O ministro José Gonçalves reafirmou, na semana passada, no Parlamento, a posição do Governo. "A partir de 01 de agosto a TACV já não operará com aparelhos ATR nos voos domésticos, mas continuará até o final do mês a operar regionalmente".
Ainda não se sabe quantos trabalhadores vão ser dispensados. Por isso, os trabalhadores da TACV realizaram uma passeata sexta-feira (28.07.), na Cidade da Praia sob o lema "TACV orgulho nacional, solução sem utopia, reestruturação sim desmantelamento não".
Trabalhadores indignados
José Pedro Lopes, da Comissão de Trabalhadores da TACV, disse que não foram tidos nem achados neste processo.
"Nós os trabalhadores da TACV queremos mostrar a nossa indignação e estranheza pela forma como tem sido conduzido o processo de reestruturação e privatização da TACV, os trabalhadores não foram nem tidos nem achados em todo esse processo, não tendo sido envolvidos em nenhuma fase".Mas em declarações à Televisão de Cabo Verde, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, pediu serenidade aos trabalhadores. Assegurou que todos os direitos serão garantidos.
"Eu entendo que os trabalhadores estejam ansiosos e expectantes, mas não há razão para tal, porque havendo reestruturação como vai ser feita serão garantidos todos os direitos dos trabalhadores relativamente a indemnização, a reforma e a uma linha de crédito para permitir que aqueles que queiram empreender tenham acesso a linhas de crédito. Mas temos de salvar o essencial que é o papel dos transportes aéreos em Cabo Verde".
Negociações com um "importante parceiro"
O Governo garante que está a negociar com um importante parceiro estrangeiro uma solução para a TACV Internacional que poderá passar pela sua privatização.
O nome do parceiro e os meandros da negociação estão guardados a sete chaves.
Para já a única certeza é que a Binter Cabo Verde, empresa criada em 2014 que começou a operar em 2016, passa a ter exclusividade nos voos inter-ilhas.O negócio com a Binter tem causado muita polémica com o PAICV, o principal partido da oposição, a pedir uma investigação ao Ministério Público por haver indícios de corrupção do Governo do MpD.
O presidente da Associação de Defesa do Consumidor, António Pedro Silva, disse à Rádio de Cabo Verde que vai lutar para que esse monopólio não venha a traduzir-se em preços mais caros, ou seja, é preciso salvaguardar o direito de acesso a passagens a um preço justo. "Como fazer que o passageiro pague o preço justo e tenha os seus direitos respeitados" sublinhou Pedro Silva.
Tarrafal: O Campo da Morte Lenta
O Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do cabo-verdiano Pedro Martins, "um sítio planificado para fazer sofrer as pessoas". Os presos políticos que por aí passaram recordam-no como "Campo da Morte Lenta".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Bastião de tortura
Construído numa das regiões mais agrestes de Cabo Verde, o Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do então preso político cabo-verdiano Pedro Martins, “um sítio planificado, desenhado e construído para fazer sofrer as pessoas”. Para os detidos que por aí passaram, o local ficará para sempre nas suas memórias como o “Campo da Morte Lenta" devido ao regime a que eram submetidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Colónia para desterrados
Situada no concelho do Tarrafal, na ilha cabo-verdiana de Santiago, começou por chamar-se Colónia Penal. Entre 1936 e 1954 recebeu presos políticos portugueses desterrados pelo Governo do Estado Novo. Reabriu em 1961 para aí serem internados militantes anti-regime das colónias portuguesas de Angola, Cabo Verde e Guiné.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Inspirado nos campos nazis
O modo de funcionamento do Tarrafal e a forma como eram tratados os presos eram semelhantes aos de outros campos de concentração existentes no mundo. Castigos, tortura, trabalhos forçados, má alimentação e falta de assistência médica faziam parte do dia-a-dia dos detidos. A maior parte das detenções era feita de forma arbitrária.
Foto: DW/Madalena Sampaio
“Não estou aqui para curar”
Doenças como o paludismo e a biliose ceifaram muitas vidas no Tarrafal. O pequeno posto de socorro aí existente, dividido em duas salas, também servia de casa mortuária. “Não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito”, afirmava Esmeraldo Pais Prata, o médico do campo que tinha a alcunha de “Tralheira”. Gostava de assistir aos espancamentos e a dor dos presos deixava-o indiferente.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Ala dos presos cabo-verdianos
Os primeiros presos políticos de Cabo Verde foram internados no Tarrafal em 1968. O espaço onde estavam detidos era de tal modo exíguo que se tinham de acomodar "como sardinhas enlatadas”, recorda Pedro Martins, que foi detido quando tinha apenas 19 anos. Ao fundo da sala ficava a casa-de-banho, onde através de um transístor clandestino escutavam várias emissoras. Era a famosa "rádio retrete".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Sobreviver à alimentação
Era nesta cozinha que eram preparadas as refeições dos presos. Segundo os detidos, a alimentação era “péssima” e muito pouco diversificada. “Cachupa com uns vestígios de atum era-nos servida diariamente”, descreve Pedro Martins no livro “Testemunho de um Combatente”. Quando se recusavam a comer peixe estragado, “que nem os cães seriam capazes de comer”, o diretor mandava cortar-lhes as refeições.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Quotidiano duro
Nos dias de faxina, os detidos eram obrigados a carregar água em latas suspensas por um fio de arame. E também tinham de carregar a água para lavar as suas roupas para as tinas de betão armado. “Às vezes escasseava a água e tínhamos que a racionar”, lê-se no livro “Testemunho de um Combatente”. Nos meses mais quentes, a temperatura nas celas facilmente ultrapassava os 40 graus.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Testemunhos de sobreviventes
Na antiga cela dos presos políticos angolanos, uma exposição dá a conhecer os rostos de quem sobreviveu ao “Campo da Morte Lenta”. E testemunhos de Angola, Moçambique e Cabo Verde. “A ideia principal era: vim para aqui e não sei se sairei daqui”, lê-se no poster do angolano Vicente Pinto de Andrade, que esteve aqui encarcerado entre 1970 e 1974, juntamente com o seu irmão Justino Pinto de Andrade.
Foto: DW/Madalena Sampaio
A temida "Frigideira"
Também conhecida como “câmara de torturas”, a “Frigideira” era uma caixa rectangular em cimento armado, dividida ao meio, com proporções para conter dois homens. Tinha uma porta em chapa de ferro com cinco pequenos furos na base, em cada divisória, e uma pequena grade de ferro no topo esquerdo. A temperatura aqui podia chegar aos 60 graus, segundo os detidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Tortura na “Holandinha”
No lugar da “Frigideira” foi construída outra cela disciplinar, "pouco mais alta que um homem em pé", com uma pequena janela de grades. Segundo os presos, era um “autêntico forno” onde não tinham capacidade de movimentos. A este cubículo de cimento, que ficava dentro de um espaço anexo à cozinha, deu-se o nome de “Holandinha”, numa referência ao país para onde partiam muitos cabo-verdianos.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação entre presos
A muito custo, os nacionalistas africanos das colónias conseguiam, por vezes, comunicar entre si. Com a ajuda de alguns guardas “infiltrados”, os presos cabo-verdianos enviavam bilhetes aos angolanos que estavam do outro lado do campo, a quem também procuravam aliviar o sofrimento quando estes eram enviados para a “Holandinha”. Tudo feito sob uma “pressão enorme”, recordam hoje os presos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Estudar atrás das grades
No recinto existia também esta biblioteca, cuja instalação foi autorizada ainda na década de 40. Muitos camponeses aprenderam a ler e a escrever no Tarrafal. Segundo o cabo-verdiano Pedro Martins, quase todos os detidos na sua ala passaram a estudar e organizavam-se até horários de estudo. Os presos com mais instrução chegaram a dar formação política aos restantes companheiros.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Vítimas mortais
A detenção no Tarrafal custou a vida a 36 presos políticos: 32 portugueses, dois angolanos e dois guineenses. Entre as vítimas mortais de origem lusa inclui-se Bento Gonçalves, então secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP). Entretanto, vários outros morreram já depois da sua libertação, em consequência dos maus tratos e das condições de vida no campo de concentração.
Foto: DW/Madalena Sampaio
O dia da libertação
Foi por aqui que saíram os últimos presos do Tarrafal, no dia 1 de maio de 1974, uma semana depois da Revolução dos Cravos em Portugal. “O Tarrafal era uma prisão para o resto da vida. Se não fosse o 25 de Abril iríamos morrer todos lá”, afirmou o angolano Joel Pessoa. Nessa altura, a libertação dos presos políticos era uma das principais exigências da população.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Espaço meio abandonado
O campo do Tarrafal só foi definitivamente extinto em 1975. Acabaria por ser transformado em Museu da Resistência, em 2009. Atualmente, o espaço-símbolo da resistência anticolonialista encontra-se em estado de semi-abandono e sem grandes cuidados. Entretanto, o Governo cabo-verdiano constituiu uma comissão para preparar a candidatura do campo a Património Mundial da UNESCO.