A mobilidade será um dos temas centrais da presidência cabo-verdiana da CPLP, entre 2018 e 2020. Analistas aplaudem a iniciativa, mas mostram-se céticos em relação à livre circulação.
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Cabo Verde assume como prioritária a temática da mobilidade no espaço territorial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). A questão da livre circulação, que há anos tem encontrado entraves para o seu avanço, constará no plano de ação da presidência cabo-verdiana, entre 2018 e 2020. A revelação foi feita na semana passada, em Lisboa, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades, Luís Filipe Tavares.
"A questão da mobilidade é extremamente importante porque, mais cedo ou mais tarde, tem de haver uma livre circulação de pessoas e bens no seio da comunidade", afirmou o governante.
Tavares considera que a CPLP pode ser um exemplo para o mundo em matéria de mobilidade de pessoas e bens.
Assimetrias prejudicam avanços
Cabo Verde trabalha em parceria com Portugal e a União Europeia (UE) para tornar realidade a cooperação na área da mobilidade.
Mas, segundo o diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), Paulo Gorjão, o projeto de livre circulação de pessoas tem benefícios "assimétricos" para os cidadãos da comunidade lusófona e "nem todos os países têm igual interesse no aprofundamento dessa questão."
Países mais pequenos como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe quase só teriam ganhos. No entanto, Angola, Moçambique, Brasil e Portugal teriam custos associados ao aprofundamento da mobilidade. "Este tem sido o problema", afirma Paulo Gorjão.
O especialista português de Relações Internacionais lembra que a facilitação de entrada nos postos de fronteira ou a obtenção de vistos de turismo, de negócios ou de trabalho esbarram, no caso português, com os compromissos no âmbito do Tratado de Schengen.
"Não é claro como é que se consegue articular essa livre circulação de cidadãos da CPLP com os compromissos que Portugal, por exemplo, tem no âmbito da UE. Dentro dos restantes Estados-membros da CPLP também ninguém faz particular força política para se avançar com esta questão."
O jornalista guineense, António Soares Lopes, reconhece que já há algum trabalho feito em relação à livre circulação na CPLP, mas não o suficiente. "A livre circulação de pessoas e bens fica nos discursos políticos, não sai dos palanques", critica António Lopes.
"Na prática, o que nós encontramos são situações de enorme aberração, contraditórias com aquilo que se anuncia como o espírito político da CPLP em detrimento daquilo que são os objetivos da própria organização", adianta o jornalista.
Primeiro passo para a livre circulação
Soares sugere projetos concretos no âmbito da mobilidade virados para as pessoas. Aponta como problemas comuns que afetam os cidadãos da CPLP o desemprego juvenil, a formação e a falta de perspetivas de futuro, que poderiam ser ultrapassados com o estatuto de cidadão lusófono e a livre circulação.
Cabo Verde quer mais mobilidade na CPLP
Paulo Gorjão admite que, ao colocar o dossier da mobilidade como uma prioridade durante a presidência da CPLP, Cabo Verde poderá mobilizar, pela primeira vez, um esforço concertado de todos os países membros e algum trabalho diplomático de bastidores capazes de impulsionar a ideia.
Mas o especialista português coloca reticências às pretensões de Cabo Verde por ser uma prioridade que, certamente, enfrentará obstáculos significativos. "Tem de haver trabalho diplomático consistente e continuado no sentido de se encontrar uma espécie de dominador comum sobre esta matéria, de modo a se ultrapassar as reticências e o ceticismo que existe dentro de alguns Estados-membros da CPLP", aconselha Paulo Gorjão.
"Não me parece fácil, mas não diria que é impossível", conclui o analista.
Turismo rural recupera património de São Tomé e Príncipe
Investidores estrangeiros estão a apostar na recuperação do património histórico de São Tomé e Príncipe. Veem nas roças abandonadas uma oportunidade de negócios para o turismo rural de luxo.
Foto: DW/C. Vieira
Roças abandonadas viram hospedagem de luxo
Investidores estrangeiros estão a apostar na recuperação do património histórico de São Tomé e Príncipe. Veem nas roças abandonadas uma oportunidade de negócios para o turismo rural de luxo. Na Ilha do Príncipe, as roças Belo Monte e Sundy passam por uma reforma para receber clientes em busca de férias cinco estrelas. Na foto, vista a partir do terraço de Belo Monte.
Foto: DW/C. Vieira
Hotel boutique em Belo Monte
Situada na Ilha do Príncipe, a Roça Belo Monte começou a operar como hotel boutique em 2015, depois de passar por uma recuperação que manteve o antigo estilo colonial, com arquitetura clássica e mobiliário elegante. Ao todo, o hotel oferece 15 quartos e estão em construção três chalés. O proprietário é o holandês Rombart Swanborn, um empresário que cresceu no Gabão.
Foto: DW/C. Vieira
Casa grande adaptada ao mais alto padrão
A casa grande costumava ter apenas um quarto, além da sala de estar e demais ambientes. Com a reforma, foram adaptados espaços originalmente usados como área de trabalho, para armazenar produtos e a cozinha. Agora, o edifício oferece três acomodações de luxo, com casas de banho individuais. Há também uma biblioteca e áreas de convívio. O hotel conta ainda com piscina, bar e restaurante.
Foto: DW/C. Vieira
O conforto tem o seu preço
Uma diária em Belo Monte custa, atualmente, entre 150 e 450 euros por pessoa, dependendo da estação do ano e do tipo de pacote turístico. Na foto, um dos quartos no prédio onde antigamente funcionava o hospital. As instalações disponibilizam casa de banho privativa, ar condicionado, televisão e internet.
Foto: DW/C. Vieira
Investimento em pesquisa científica
O valor gasto na reabilitação da Roça Belo Monte não foi divulgado. O investidor espera reaver o montante em 10 anos. Belo Monte ainda se encontra parcialmente em obras. Na foto, o prédio que irá abrigar um museu no terreno do hotel, onde cientistas poderão pesquisar sobre a história, fauna, flora e vida marinha da região, entre outros.
Foto: DW/C. Vieira
Reforma a todo vapor em Sundy
A Roça Sundy é outra roça em reabilitação na Ilha do Príncipe, situada a cerca de 140 km da capital São Tomé, está concessionada ao grupo HBD, do empresário milionário sul-africano Mark Shuttleworth. Será parte de um resort agrícola cinco estrelas de turismo sustentável. A casa grande será transformada num restaurante e oferecerá cursos profissionais de cozinheiros e empregados de mesa.
Foto: DW/C. Vieira
Formação e aproveitamento de mão de obra local
A reabilitação dos prédios centenários da Roça Sundy encontra-se em curso e tem por objetivo preservar ao máximo a estrutura original. Para tal, 20 trabalhadores participam numa formação para pedreiros. Aprendem a usar técnicas e materiais tradicionais, mais amigos do meio-ambiente. Carlos Sanches, de 21 anos, "nunca tinha trabalhado com cal", que agora usa para a pintura ou na argamassa.
Foto: DW/C. Vieira
Meio-ambiente tido em conta
Material reciclado também é utilizado nas obras. O vidro recolhido nas comunidades é moído e substitui a areia em rebocos e blocos, por exemplo. O português Manuel de Sousa Gomes, responsável pela formação dos profissionais, diz que pretende transmitir aos trabalhadores "técnicas de reboco e o brio no trabalho".
Foto: DW/C. Vieira
Impactos para a população local
O Grupo HBD apresenta o projeto da Roça Sundy como motor financeiro para a população local. Atualmente emprega mais de 100 das pouco mais de 400 pessoas que ainda vivem na senzala de Sundy. Futuramente, a população deverá ser realojada. Os investidores estrangeiros prometem aos moradores a doação de casas novas fora da roça, deixando o espaço livre para os turistas.
Foto: DW/C. Vieira
Esperança para os moradores
Miguel Guadalupe, de 31 anos, é um dos moradores da senzala da Roça Sundy. Acredita que o realojamento será bom para a sua família de seis pessoas. E espera que, com a chegada dos investidores estrangeiros, haja "mais trabalho e mais dinheiro".