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Cahora Bassa, um elefante branco?

Marta Barroso1 de outubro de 2012

A barragem foi construída pelo governo colonial português no âmbito de um ambicioso projeto e serve em grande parte a África do Sul. Na guerra civil foi alvo de ataques. Hoje, pouco há em volta que possa abastecer.

Cahora Bassa, um elefante branco?
Cahora Bassa, um elefante branco?

Os tempos modernos quiseram chegar a Chitima, mas não conseguiram. A sede do distrito de Cahora Bassa fica no interior de Moçambique, na província central de Tete e não muito longe do vizinho Zimbabué. Em redor da vila há uma aldeia aqui e outra ali, quase nenhuma delas tem ligação à eletricidade. Os habitantes locais chegam a rir-se da ironia: é que a hidroelétrica da quinta maior barragem de África fica a cerca de 20 km das suas casas.

Mas em Chitima, os poucos clientes da energia de Cahora Bassa queixam-se de que não beneficiam de facto dela. Um deles é Rogério Carlos Simoco. Mandou instalar eletricidade em casa em 2005. Pensava que a luz elétrica lhe pouparia preocupações e o aproximaria do progresso de que todos falam. Só que o progresso varia de preço: apesar de não ter frigorífico em casa nem fogão nem ferro de passar roupa, chega a pagar mensalmente 1.800 meticais, quase 50 euros, pela energia. E, "outras vezes, não passa de 200 meticais", cerca de quatro euros.

Queixas das faturas da distribuidora nacional

Rogério Simoco queixa-se de que as faturas que recebe da distribuidora nacional de energia, a Electricidade de Moçambique (EDM), não podem estar corretas. Quando a empresa foi contactada pela DW África sobre a discrepância nas contas recebidas em Chitima, não se pronunciou. Simoco diz que ele e os vizinhos "têm apresentado queixa, mas a EDM não aceita as reclamações".

O moçambicano de 38 anos vive do que planta na sua horta, a machamba que tem perto de casa, e do que consegue vender de lá na vizinhança. O pouco que ganha não lhe dá para o luxo do progresso: a luz que usa serve apenas duas lâmpadas que lhe iluminam a casa quando anoitece. E, para isso, diz, pode mandar cortar a energia e voltar à velha lamparina de petróleo.

Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida entra na rede nacional.

"Não há rendimento que pague a energia"

"Cahora Bassa foi construída como uma tentativa desesperada do governo colonial português de estabelecer ligações políticas na região", comenta Carlos Nuno Castel-Branco, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos, IESE, uma organização não governamental moçambicana.

Mas, continua o investigador, "Cahora Bassa foi construída como um elefante branco, um grande projeto no meio de nada" para a área onde está situada: é possível instalar eletricidade na aldeia ao lado de Cahora Bassa, mas ninguém a vai consumir, visto que "não há indústria, não há rendimento para pagar pela energia. Então, é irónico, mas reflete estas grandes disparidades de desenvolvimento que existem".

Falta desenvolvimento das aldeias e vilas em torno da barragem

Para Castel-Branco, em termos de estratégia económica, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país também às aldeias e vilas em torno da barragem e de outras grandes infraestruturas nacionais como os portos e as linhas férreas. Desse modo, "a vida económica destas localidades transformar-se-ia num elemento de estímulo para o investimento".

A barragem de Cahora Bassa começou a ser construída em 1969. Desde a independência de Moçambique, em 1975, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa era detida em 18% pelo Estado moçambicano e em 82% pelo português. Até 2006, quando parte do capital português foi vendida ao Estado moçambicano. Dentro de dois anos, deverá ser feita a transferência dos últimos 7,5%.

Cahora Bassa sentiu a força da guerra civil

Durante a guerra civil, que terminou há 20 anos, a 4 de outubro de 1992, a barragem mal funcionou. O historiador moçambicano Egídio Vaz lembra as ações de sabotagem por parte da RENAMO, a Resistência Nacional Moçambicana, contra as linhas de transmissão de Cahora Bassa como "um dos golpes mais importantes que o governo sofreu, sentindo com ele a força da guerra de desestabilização".

Os primeiros ataques contra a linha de transmissão da barragem ocorreram no início da década de 1980. Na altura, os rebeldes exigiam uma taxa à Hidroeléctrica, em troca, deixariam de interromper a distribuição de eletricidade. Ao sabotar as linhas de Cahora Bassa e outras grandes infraestruturas do país, a RENAMO pretendia desestabilizar a economia e enfraquecer o governo da FRELIMO, a Frente de Libertação de Moçambique.

Cahora Bassa como símbolo do progresso

"Que Cahora Bassa seja símbolo do progresso", disse numa visita à barragem em 1986, em plena guerra civil, o então Presidente de Moçambique, Samora Machel.

Mas o progresso ficou por lá: Teresinha Peixana é uma das vizinhas de Rogério Carlos Simoco que não tem como sustentar a luz elétrica. Para cozinhar vai ao mato buscar lenha e quando o sol se põe fica às escuras, porque nem para petróleo o dinheiro lhe dá. Se pudesse, ela sim, teria eletricidade. "A energia", diz Teresinha Peixana, "é um progresso, ajuda ao desenvolvimento nas próprias comunidades: quando as crianças têm de fazer os trabalhos de casa ao escurecer, fica complicado sem energia".

Para a área do país onde está situada, Cahora Bassa é vista pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco como elefante brancoFoto: DW/M. Barroso

Cahora Bassa, um elefante branco?

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A albufeira de Cahora Bassa começou a encher em 1974Foto: DW/M. Barroso
O progresso varia de preço em Chitima. Rogério Simoco (dir.) é um dos habitantes que se queixam das faturas da Electricidade de MoçambiqueFoto: DW/M. Barroso
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