Campanha de comercialização da castanha de caju está em curso na Guiné-Bissau. Intervenientes no setor alertam para o perigo que o produto corre e apelam à tomada de "medidas concretas" para salvar milhares de famílias.
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A castanha de caju é o maior produto de exportação da Guiné-Bissau, considerado "estratégico" para a economia nacional. Rende anualmente vários milhões de dólares ao país, em resultado da sua exportação para países como o Vietname ou a Índia.
Cerca de uma semana depois da abertura da campanha de comercialização e exportação da castanha de caju, ainda não são conhecidas as taxas que serão aplicadas de produtor ao exportador, nem as medidas para a regulamentação dessa atividade económica.
A DW África contactou o Ministério do Comércio da Guiné-Bissau, mas a entidade governamental promete pronunciar-se em breve sobre a matéria.
Cenário preocupante
O presidente da Associação Nacional dos Agricultores (ANAG), Jaime Boles Gomes, alerta que o caju pode estar em extinção na Guiné-Bissau: "O cenário atual é preocupante. [O caju] está a passar uma situação tão grave e nós temos o problema de desaparecimento de caju, quer dizer o cajueiro está invadido de pragas, de velhice, de forma que a produção caiu drasticamente".
Mamadu Yero Jamanca, presidente da Associação Nacional dos Importadores e Exportadores (ANIE - GB), diz que há falta de qualidade no caju da Guiné-Bissau, "por falta de investimento nos recursos humanos e no próprio pomar de caju."
Os autores primários, lembra Jamanca, "as mulheres e os jovens que se encontram nas aldeias, debaixo dos cajueiros", devem "ser a prioridade das prioridades do fruto do negócio de caju".
Jaime Boles Gomes, presidente da ANG, sabe como se deve salvar o caju: "Criando fundo e investindo esse fundo diretamente no caju, vamos sanear muitas coisas, entre as quais podemos resolver o problema das pragas, podemos também criar as condições de secagem e a embalagem do próprio produto".
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Polémica antiga
A campanha de comercialização e exportação da castanha de caju é alimentada, nos últimos anos, pela polémica entre vários intervenientes no setor que se culpam mutuamente por "pouco sucesso" da atividade.
Mas Mamadu Yero Jamanca, presidente da Associação Nacional dos Importadores e Exportadores, aponta caminhos para que tudo seja diferente este ano.
"Logo à partida, desburocratizar o sistema de acesso ao negócio em si. Ou o governo aceita que o negócio desta fruta seca fique entregue à genuína lei de mercado livre de concorrência ou [deve] cumpriras leis que são feitas e direcionadas para esse fim", defende.
Segundo apurou a DW África, até ao início desta semana, foram exportadas 195 mil toneladas de castanha de caju, referente à campanha do ano 2022, um número ainda inferior às 236 mil toneladas de 2021.
Sumos, bolachas e até "bifes" para diversificar rendimento do caju
O caju é a principal fonte de rendimento dos produtores guineenses. A fim de estimular a economia, os produtores de Ingoré uniram-se na cooperativa Buwondena, onde produzem sumo, bolachas e até "bife" de caju.
Foto: Gilberto Fontes
O fruto da economia
Sendo um dos símbolos da Guiné-Bissau, o caju é a principal fonte de receita dos camponeses. A castanha de caju representa cerca de 90% das exportações do país. Este ano, foram exportadas 200 toneladas de castanha de caju, um encaixe de mais de 250 mil euros. A Índia é o principal comprador. O caju poderá trazer ainda mais riqueza ao país, se houver maior aposta no processamento local do produto.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no processamento
Em Ingoré, no norte da Guiné-Bissau, produtores de caju uniram-se na cooperativa Buwondena - juntamos, em dialeto local balanta - para apostar no processamento do caju. Antes, aproveitava-se apenas a castanha, desperdiçando o chamado pedúnculo, que representa cerca de 80% do fruto. Na cooperativa produzem-se agora vários produtos derivados do caju.
Foto: Gilberto Fontes
“Bife” de caju
Depois de devidamente preparado, o pedúnculo, que é a parte mais fibrosa do caju, pode ser cozinhado com cebola, alho e vários temperos. O resultado final é o chamado “bife” de caju.
A partir das fibras, produz-se também chá, mel, geleia, bolacha, entre outros. Ao desenvolverem novos produtos, os produtores diversificam a dieta e aumentam os seus rendimentos.
Foto: Gilberto Fontes
Néctar de caju
Depois de prensadas as fibras do caju, obtém-se um suco que é filtrado várias vezes, a fim de se produzir néctar e sumo. Com 50% desse suco e 50% de água com açúcar diluído, obtem-se o néctar de caju. Este ano, a cooperativa Buwondena produziu quase 400 litros desta bebida.
Foto: Gilberto Fontes
Sumo de caju
O sumo resulta da pasteurização do suco que foi filtrado do fruto, sem qualquer adicionante. Cada garrafa destas de 33cl de sumo de caju custa quase 0.40€. Ou seja, um litro de sumo pode render até 1.20€. O que é bem mais rentável que vinho de caju, produzido vulgarmente na Guiné-Bissau, que custa apenas 0.15€ o litro. Em 2016, foram produzidos na cooperativa quase 600 litros de sumo de caju.
Foto: Gilberto Fontes
Mel de caju
Clode N'dafa é um dos principais especialistas de transformação de fruta da cooperativa. Sabe de cor todas as receitas da cooperativa e só ele faz alguns produtos, como o mel. Mas devido à falta de recipientes, este produziu-se pouco mel de caju. Desde que se começou a dedicar ao processamento de fruta, Clode N'dafa conseguiu aumentar os seus rendimentos e melhorar a vida da sua família.
Foto: Gilberto Fontes
Castanha de caju
Este continua a ser o produto mais vendido pela cooperativa. O processamento passa por várias etapas: seleção das melhores castanhas, que depois vão a cozer, passam à secagem, ao corte e vão à estufa. As castanhas partidas são aproveitadas para a produção de bolacha de caju. Este ano, a cooperativa conseguiu fixar preço da castanha de caju em 1€ o quilo, protegendo os rendimentos dos produtores.
Foto: Gilberto Fontes
Potencial para aumentar produção
A maior parte dos produtos são vendidos localmente, mas alguns são comercializados também em Bissau e exportados para o Senegal. A produção decorre sobretudo entre os meses de março e junho, período da campanha do caju. No pico de produção, chegam a trabalhar cerca de 60 pessoas. Se a cooperativa conseguisse uma arca frigorífica para armazenar o caju, continuaria a produção depois da campanha.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no empreendedorismo
A cooperativa Buwondena aposta na formação a nível de empreendedorismo, para que os produtores possam aumentar o potencial do seu negócio. A cooperativa pretende criar uma caixa de poupança e crédito. O objetivo é que, através de juros, os produtores possam rentabilizar as suas poupanças e apostar noutros negócios.
Foto: Gilberto Fontes
É urgente reordenar as plantações
A plantação de cajueiros é outra das preocupações da cooperativa: uma plantação organizada, com ventilação é fundamental para aumentar a rentabilidade.
Devido ao peso do sector do caju na economia da Guiné-Bissau, todos os anos são destruídos entre 30 e 80 mil hectares de floresta para a plantação de cajueiros. Especialistas defendem uma reordenação urgente das plantações.