Camarões: 60 anos de independência e nada a comemorar
31 de dezembro de 2019O ativista camaronês Andre Blaise Essama sente que o seu país ainda está longe da descolonização. Ele tem sido repetidamente condenado e preso por danificar estátuas que, na sua opinião, contradizem tudo o que a Independência dos Camarões representa. Em 2016, ele passou seis meses na prisão por destruir o monumento ao general colonial francês Leclerc.
Anteriormente, tinha sido condenado a três meses de prisão por derrubar a estátua. A cabeça da estátua desapareceu em abril deste ano. A suspeita recaiu imediatamente sobre Essama.
No 60º aniversário da independência da parte francófona dos Camarões, em 1 de janeiro de 2020, o ativista planeja visitar novamente as estátuas de Leclerc. E a sua própria forma de celebrar o Dia da Independência é atacar a imagem.
"Depois da descolonização de um povo, este não deve mais submeter-se a França", diz Essama, frustrado. "A França nunca permitiria que um monumento a Paul Biya fosse dedicado no seu país. Será que eles têm um general camaronês homenageado dessa forma? Não", argumenta o ativista.
Para muitos camaroneses, França ainda é onipresente, apesar de o país ser independente há seis décadas. E muitos acreditam que os erros do passado levaram às crises de hoje.
França continua a governar
Essama não é o único camaronês que sente que, mesmo após 60 anos de independência, o seu país ainda não está completemante livre das influências coloniais. Tanto os camaroneses de língua francesa como inglesa vêem a França mais como um inimigo do que como um amigo. O historiador Edward Nfor diz que França enganou o mundo em 1960, ao fingir que os Camarões eram independentes, embora continue a governar o país hoje em dia.
"França governa por controle remoto. O Presidente dos Camarões, Paul Biya, vai a França para receber instruções ou perguntar o que fazer no seu país", considera.
O economista camaronês Babissakana Thomas diz que uma das principais razões para o crescente sentimento anti-francês é que mais da metade das reservas financeiras dos Camarões são mantidas no tesouro francês.
Este é o resultado de um acordo assinado em 1948, muito antes da independência. "Um país não pode ter independência, se a sua moeda, que é um instrumento essencial para a sua política económica, for controlada por um antigo governante colonial. Os Camarões devem pedir a todos os cidadãos franceses que trabalham no seu Banco Central que deixem o país", afirma.
Sentimentos "anti-franceses"
O empreiteiro Etienne Essomba concorda. Ele sabe que, caso candidate-se a um projeto contra a concorrência francesa, perderá - porque muitos projetos do Governo são adjudicados a empresas francesas. "Não entendo porque os Camarões devem ser tratados desta maneira", diz ele.
"Nós não somos a República das Bananas. Somos um Estado de direito e as pessoas devem respeitar isso. Todos devemos defender sempre o nosso país", opina.
Apesar de toda a influência francesa nos Camarões, os camaroneses têm dificuldade em viajar para França. Apenas 30% de um total de 300 mil pedidos de visto foram aceites em 2019. De acordo com o embaixador francês nos Camarões, Christophe Guilhou, as relações entre os dois países são positivas.
"França sempre esteve e sempre estará ao lado dos Camarões, porque os Camarões são um parceiro económico importante na África Central. França é um parceiro muito importante na economia camaronesa, com mais de 300 empresas criando milhares de empregos nos Camarões", afirma Essomba à DW África.
Independência controversa
Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, França e a Grã-Bretanha receberam, cada um, uma parte dos Camarões, da antiga Alemanha. Em Março de 1959, a assembleia legislativa da parte francesa dos Camarões realizou um debate sobre a independência do país.
A União do Povo Camarenês (UPC), sob a liderança de Félix Roland Moumié, argumentou que a reunificação deveria preceder a independência. Mas o então primeiro-ministro, Ahmadou Ahidjo, defendeu a independência como o principal objetivo do país.
Isso levou Moumié a fundar o Exército de Libertação Camaronês, em maio de 1959. Esse consistia em combatentes da UPC que, meses antes, já tinham rebelado-se contra o Governo francês. "Eles acreditavam que essa independência seria falsa", lembra o escritor Enoh Meyonmesse, que, na época, vivia com os seus pais em Douala.
A violência era terrível e não era diferente do que está a acontecer agora no noroeste e sudoeste dos Camarões. Quando criança, eu estava acostumado a ver cabeças e corpos cortados pela manhã, e isso tornou-se comum em Douala", recorda.
Na noite de Ano Novo de 1959, os tiros soaram na cidade e, na manhã seguinte, o Presidente Ahidjo proclamou a Independência, diz o empresário cultural Luc Delors Yatchokeu, que vivia com os seus pais em Mbanga, cidade localizada próxima de Douala. "Lembro-me que havia um grande desfile militar à porta da nossa casa", conta.
O país alegrou-se completamente, quando o discurso da Independência foi transmitido, ao vivo, pela Rádio Douala - a principal estação de rádio dos Camarões.
Parte perdida dos Camarões
Segundo o historiador Edward Nfor, França não teria nada a dizer sobre a Independência dos Camarões: "Em 1960, os Camarões eram um protectorado das Nações Unidas, dividido em dois. Como poderia este país europeu conceder a independência dos Camarões?" questiona.
"Os camaroneses deveriam ter obtido a sua independência através de um referendo organizado pelas Nações Unidas, como aconteceu na parte anglófona do país", argumenta o historiador.
Os camaroneses do Sul, controlados pelos britânicos, observavam de muito perto o que estava a acontecer do lado francês. Segundo historiadores, havia um grande entusiasmo entre os líderes políticos dos Camarões britânicos pela independência dos Camarões franceses. Havia a expectativa de que também os Camarões britânicos tornariam-se rapidamente independentes e que isso pudesse abrir o caminho para a unificação.
Os britânicos Camarões do Sul obtiveram a independência num referendo da ONU em 11 de fevereiro de 1961. Esta parte foi imediatamente anexada aos antigos Camarões franceses, enquanto a parte britânica do norte foi anexada à Nigéria.
A República dos Camarões e o sul dos Camarões tornaram-se estados federais. Nove meses depois, em 1 de outubro de 1961, formaram a República Federal dos Camarões. A federação de dois estados tornou-se a República Unida dos Camarões após um segundo referendo, em 20 de maio de 1972.
Camarões do Sul
"Ficámos muito felizes por ver os nossos irmãos de língua inglesa regressarem. Mas acreditávamos que tinha sido Ahidjo que tinha permitido que a outra parte dos Camarões se juntasse à Nigéria", disse o escritor e emérito acadêmico Patrice Kayo.
"Ahidjo era um agente do colonialismo francês, e França não queria o povo de língua inglesa. Exortaram Ahidjo a permitir que o país fosse dividido em dois antes do referendo", avalia. Se tivesse havido um referendo, "todos os Camarões teriam regressado."
Em 1984, o jovem presidente da República, Paul Biya, decidiu, por decreto, dar ao país o novo nome de República dos Camarões. A população anglófona dos Camarões sentiu-se excluída e sistematicamente oprimida, num país ao qual não queria pertencer desde o início.
"O próprio Paul Biya disse que eles tinham tentado fazer os ingleses viverem como franceses. Entretanto, hoje, a população anglófona está a se rebelar", disse Nfor. Esta é a raiz da crise anglófona em que os Camarões, um país de 26 milhões de habitantes, encontra-se submerso.
O Governo central de Yaoundé tenta aliviar a tensão através de medidas como a descentralização e o reconhecimento de um 'status' especial para as regiões anglófonas. Mas três anos de guerra já causaram muitos danos.
Até agora, a guerra civil iniciada pelos separatistas anglófonos já custou a perda de cerca de três mil vidas, além de milhares de pessoas deslocadas. Quase toda a economia da parte anglófona do país foi gravemente afectada. Sessenta anos após a sua independência, os Camarões ainda não se livraram do fardo do passado.