Campanha eleitoral em Tete termina com feridos e detidos
Amós Fernando (Tete)
8 de outubro de 2018
Confrontos entre membros da FRELIMO e da RENAMO em Tete, no domingo, resultaram em 13 feridos, dos quais quatro em estado grave, e uma viatura incendiada. Estão detidos 12 membros da RENAMO, incluindo filho do candidato.
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Tudo começou quando uma caravana da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) comandada pelo respectivo cabeça de lista, Ricardo Tomás, entrou em confronto com uma brigada de jovens da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), frente à sede da perdiz em Tete.
A Polícia da República de Moçambique (PRM) usou gás lacrimogéneo, além de efetuar disparos com balas de borracha e reais. Neste confronto, uma viatura foi vandalizada e pelo menos 13 pessoas ficaram feridas, das quais quatro em estado grave. Entre os feridos estão elementos das duas formações políticas, atingidos por pedras e outros objetos.
Os feridos graves estão em tratamento no hospital provincial de Tete. "Os casos que foram internados são de traumatismos leves e moderados que neste momento se encontram sob cuidados nos serviços de cirurgia", informou Mauro Monteiro, diretor clínico da unidade sanitária.
"Pretendem fragilizar a RENAMO"
Félix Assumate, delegado político provincial da RENAMO em Tete, classificou como "intimidatório" o que aconteceu no domingo (07.10). "Pretendem fragilizar a RENAMO, desmoralizar os membros ou a população para não afluírem em massa no dia 10 de outubro, para irem votar em quem desejam", disse.
Assumate acusou a Polícia de uso excessivo da força perante os membros e simpatizantes da RENAMO. "A regra da polícia é não disparar, a regra é notificar as pessoas e estas serem ouvidas de uma forma pacífica", concluiu.
Campanha eleitoral em Tete termina com feridos e detidos
O porta-voz do comando-geral da PRM, Inácio Dina, disse que a polícia foi obrigada a intervir para libertar três pessoas que estariam a ser mantidas em cativeiro na delegação política provincial da RENAMO. "Os indivíduos arremessavam pedras e estavam a danificar alguns bens a polícia foi obrigada a actuar. E porque estes indivíduos estavam em cativeiro em ato contínuo, a polícia foi resgatá-los, entre eles um menor de 13 anos", declarou.
A RENAMO nega ter mantido alguém em cativeiro. O delegado político provincial fala de manobras dilatórias do partido no poder, a FRELIMO.
Membros da RENAMO detidos
Segundo o mais recente balanço da PRM, 12 indivíduos estão detidos em conexão com este caso, todos membros da RENAMO, um dos quais é filho do cabeça de lista do partido na cidade de Tete, Ricardo Tomás, que foi ferido no confronto, mas acabou por escapar.
"Neste momento estão a decorrer necessárias tramitações para que pelo crime de dano, ofensas corporais entre outros poderá haver a devida responsabilização", anunciou Inácio Dina. Não há confirmação dos óbitos nem da detenção do cabeça de lista da RENAMO, segundo a PRM. "Foi uma situação que estava a sair do controlo. Havia uma violência claramente manifesta. A polícia usou a sua força contra os arruaceiros, criminosos que estavam a vandalizar alguns bens", indicou o porta-voz.
O porta-voz da FRELIMO em Tete, Domingos Macajo, aponta o dedo à RENAMO pelo sucedido. "Não houve cruzamento de caravanas. Não casos isolados de nossos quadros que foram perseguidos e só por estarem a ostentar indumentárias da Frelimo", indicou Macajo, salientando que "a RENAMO na cidade de Tete não pode aparecer como vítima."
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.