Camponeses moçambicanos desconfiam do projeto ProSavana
Wellington Carvalho (São Paulo)
12 de novembro de 2012
Discussão sobre o plano ProSavana, parceria de Moçambique com outras nações no setor de Agronegócio, volta à pauta com o início da semana do Brasil no país.
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Começou oficialmente esta segunda-feira (12.11) em Maputo a quarta edição da semana do Brasil em Moçambique. A missão brasileira composta por empresários e politicos deslocou-se à capital moçambicana para conhecer as principais oportunidades de negócios no país.
Atualmente, Moçambique tem sido considerado uma das principais promessas de África no que diz respeito à captação de recursos externos.
Este evento é uma das apostas do país para impulsionar ainda mais estes investimentos. Fábio Vale, da Câmara de Comércio Brasil-Moçambique, diz que a sua organização levou a Maputo vários empresários brasileiros para conhecerem o mercado, fazerem visitas técnicas, reuniões comerciais, e uma aproximação ao empresariado nacional em busca de parcerias e novos negócios.
Empresáriado brasileiro com focos bem definidos
Relativamente às expetativas do evento Fábio Vale diz: "O que podemos esperar desta semana é a efetivação de alguns negócios, especialmente nas áreas de infraestrutura, mineração e energia."
Outro destaque da Semana do Brasil em Moçambique será o agronegócio, mais precisamente o projeto ProSavana, que prevê a participação de Moçambique, Brasil e Japão na área do agronegócio.
O acordo, ainda em estudo, entretanto já desperta preocupação em alguns setores, como o dos camponeseses moçambicanos.
Camponeses receiam a usurpação de terras
Luis Muchanga, diretor executivo da UNAC, União Nacional dos Camponeses, levanta um ponto que tira o sono aos agricultores: "O nosso grande medo é da possível usurpação das terras, isto é, a perca do uso e controle das terras por parte dos camponeses."
As terras foram concedidas ao projeto pelo prazo de 50 anos, prorrogável por mais 50 anos.
O rol de questões sobre o ProSavana é grande, Luis Muchanga coloca mais uma: "O que o Prosavana traz em termos de aumento das reservas alimentares, sobretudo para as famílias camponesas?"
A chegada de sementes geneticamente modificadas e consequentemente o crescimento não sustentável do setor é outra preocupação da UNAC.
Para responder a estas perguntas, um seminário durante a semana do Brasil em Moçambique discutirá os principais detalhes do projeto, de acordo com Fábio Vale, gestor da Câmara de Comércio Brasil-Moçambique: "Durante o evento haverá um momento de diálogo sobre o assunto, teremos a participação do Ministério da Agricultura de Moçambique que vai apresentar um painel exclusivo sobre o ProSavana."
Brasileiros prometem respeitar acordos
Fábio Vale está ciente de que a implementação do projeto não reúne consenso em Moçambique: "O ProSavana está envolto de muitas oportunidades de negócios e também de muita polémica, justamente porque ele trata de uma área de grande interesse do público moçambicano, japonês e brasileiro."
Por enquanto, a Câmara de Comércio Brasil-Moçambique manifesta-se favorável aos termos do PróSavana, de acordo com Fábio Vale: "O posicionamento da Câmara é de total apoio ao projeto desde que sejam respeitados os planos e metas a função social de apoio e suporte da subsistência da população moçambicana."
Da parte do Brasil, o projeto prevê a participação de empresas e produtores que fornecerão equipamentos e tecnologia para o desenvolvimento da região de savana, que tem solo e clima semelhantes ao do cerrado do país sul-americano.
Camponeses moçambicanos desconfiam do projeto Pro-Savana
Relativamnete a concessão de crédito, as autoridades moçambicanas admitem que as taxas de juros são elevadas e não existe crédito oficial, sendo os principais provedores de crédito os bancos particulares.
O que é o ProSavana?
O ProSavana é um programa que pretende fomentar o desenvolvimento agrícola e rural na região do Corredor de Nacala, no norte do país, com o objetivo de melhorar a competitividade do sector, em termos de segurança alimentar, aumento da produtividade dos pequenos e médios produtores e a geração de excedentes agrícolas para a exportação. Estão envolvidos no projecto o Brasil, Japão e Moçambique, através do Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Sector Agrário em Moçambique a Agência Japonesa de Cooperação Internacional e a Agência Brasileira de Cooperação.
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.