Reforma prevê auto-financiamento da União Africana
Eric Topona
11 de outubro de 2018
Alguns países africanos já estão a aplicar a nova taxa de 0,2% sobre produtos importados e a ratificar o acordo sobre a Zona de Livre Comércio Continental em África que permita o auto-financiamento da União Africana.
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O economista e sociólogo guineense Carlos Lopes, um dos especialistas convidados para proceder a reforma da União Africana pelo Presidente em exercício da organização continental, Paul Kagame e Presidente do Ruanda, recomenda que os acordos sobre migrações e comércio do continente africano com os seus parceiros sejam “completamente revistos” para que a África possa obter melhores resultados.
O antigo secretário executivo da Comissão Económica para África (CEA) das Nações Unidas, defende, por outro lado, que os africanos devem conceber estratégias mais assertivas na defesa dos seus interesses e negociar da melhor forma possível com os parceiros.
“Os processos desses acordos têm pontos de tensão, como é a questão das migrações e do comércio que precisam de ser revistos completamente. Nós precisamos de uma nova atitude da parte dos parceiros, mas também nós mesmos africanos temos que ter uma nova atitudes em relação à forma como negociamos parecerias para podermos ser mais estratégicos e obter melhores resultados.”
Reformas para garantir independência financeira da UA
Uma equipa de economistas africanos apresentou na cimeira dos chefes de Estado, em Julho, um relatório com propostas para a implementação de reformas institucionais no seio da União Africana (UA). O documento destaca problemas de financiamento que provocam a dependência externa da organização, a forma como são selecionados e recrutados os quadros para a organização que melhore a eficiência e questões relacionadas com o funcionamento mais integrado da CEA.
Em entrevista exclusiva à DW África (11.10), Carlos Lopes adianta que neste momento 23 Estados africanos já estão na fase de implementação da taxa de 0,2% sobre os produtos importados enquanto outros 13 já estão a recolher os benefícios desta decisão. “Nós trabalhamos muito esta questão financeira porque achamos que é muito importante que a União Africana possa ter a sua independência, mas para chegar a esse ponto, nós temos que contar com a participação dos Estados: Existem já bastantes que estão a implementar a nova medida de taxar em 0,2% sobre os produtos importados de fora do continente, mas ainda não são todos. Também tínhamos previsto que isto duraria dois anos a implementar. Portanto, estamos esperançosos que vamos chegar a esse resultado que vai provocar um nível de independência jamais visto na União Africana.”
Aplicação da taxa 0,2%
Entretanto, alguns países continuam a ter dificuldades na implementação dessas reformas, por não saberem ainda como aplicá-las de acordo com as suas respetivas Constituições e outras leis nacionais. Mas também há países que têm criticado a forma como é proposta a aplicação da taxa de 0,2%, que segundo eles é contrária às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Carlos Lopes diz que a equipa conhecida por "Unidade de Reforma", tem uma opinião diferente.
“O facto de termos feito o orçamento em função das despesas administrativas que seriam financiadas com esta taxa 100% pelos africanos, os programas de desenvolvimento da União que seriam financiadas à 75% e as atividades no domínio da paz e segurança que seriam financiadas cerca de 25%, mostra que o trabalho de casa foi feito e portanto, nós sabemos exactamente quais são os montantes necessários e daí termos chegado ao número 0,2%.”
A Zona de Livre Comércio Continental (ZLEC) em África, criado há 3 anos e que representa um mercado de mais de 1,2 mil milhões de pessoas em África, só foi assumido pelos Estados membros da UA, em março último, faltando ainda sua ratificação.
Dinamizar trocas comerciais entre africanosCarlos Lopes considera o projeto ZLEC como sendo um programa regional ambicioso e acrescenta que: "evidentemente toda a gente está com os olhos postos na capacidade de implementação dos africanos de um projeto dessa dimensão. Foi lançado há três anos, na altura ninguém pensava que se poderia assinar em 2018, como aconteceu em março, agora muitos duvidam que vai ser ratificado a tempo, eu acredito que vai ser. A dinâmica está aí e as pessoas estão muito mobilizadas. Há uma diferença importante de atitude em relação a estes projectos regionais nos últimos anos.”
Carlos Lopes: África deve rever completamente acordos de comércio e das migrações
Segundo o economista guineense, os promotores da iniciativa tiveram em conta as limitações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da União Europeia (UE) para criar um "grande mercado" que permita desenvolver as trocas comerciais entre os 55 Estados membros da UA, sendo esta uma forma do continente emancipar-se das antigas potências coloniais e da China, dinamizando em paralelo, uma indústria que considera ainda "balbuciante".
Para Carlos Lopes, África, desde a criação da sua organização continental em 1963, deu prioridade às questões políticas, deixando de lado o plano económico e, apesar da existência das zonas monetárias do Franco CFA ou do Rand, as trocas comerciais dominantes ficaram nas mãos de outros continentes, com as "consequentes perdas de oportunidades comerciais".
50 anos de União Africana
A Organização da Unidade Africana (OUA) nasceu há 50 anos. Em 2002, a União Africana seguiu-lhe os passos. Recordamos cinco décadas de unidade.
Foto: picture-alliance/AP
Uma mulher no poder
Em 2012, Nkosazana Dlamini-Zuma tornou-se a primeira mulher a presidir à Comissão da União Africana (UA). A ex-ministra do Interior da África do Sul trouxe uma nova dinâmica à UA, diziam observadores 100 dias depois de Dlamini-Zuma tomar posse. O grupo de 53 Estados celebra o 50º aniversário a 25 de maio de 2013.
Foto: picture-alliance/dpa
Unidade contra a divisão
Do grupo inicial da Organização da Unidade Africana (OUA) faziam parte todos os 30 países que já tinham conquistado a independência no continente. A união política tentava evitar uma África dividida. Isto porque os estados africanos se polarizavam a favor e contra o Ocidente, influenciados pelas grandes potências da Guerra Fria. Aqui uma fotografia de uma cimeira em 1966.
Foto: AFP/Getty Images
Precursores do pan-africanismo
Kwame Nkrumah (esq.), o primeiro Presidente do Gana, e o imperador etíope Haile Selassie (centro) são dois dos fundadores da OUA. O pan-africanista Nkrumah tinha em mente a criação de uns "Estados Unidos de África" para competir com as forças coloniais e desenvolver um mercado comum. Mas os estados recém-independentes não queriam ir tão longe.
Foto: STR/AFP/Getty Images
Inimigo comum
Um objetivo bastante importante nas primeiras décadas da OUA foi a luta contra o regime racista de 'apartheid' na África do Sul. Logo no ano em que foi criada, a organização criou um comité de libertação. A partir de 1970, a OUA apoiou também a luta armada contra o regime de 'apartheid'.
Foto: AP
Novo impulso para a economia
A OUA quis acelerar o desenvolvimento económico em África com o Plano de Ação de Lagos em 1980. O plano previa, entre outros pontos, a criação de um mercado comum até 2000. Mas, à semelhança de outros projetos da organização, o plano não passou do papel. Em 1991 seguiu-se o Tratado de Abuja, que prevê o estabelecimento de uma Comunidade Económica Africana até 2025.
Foto: DW/P. Hille
Decisão polémica
Apesar da sua política de não se imiscuir nos assuntos de delimitação de fronteiras, a OUA reconheceu em 1982 a "República Árabe Sarauí Democrática" (Saara Ocidental), reivindicada pelo movimento independentista Frente Polisário. Nessa altura, Marrocos saiu da organização. Até hoje, foi o único país que saiu da OUA por livre iniciativa.
Foto: picture-alliance/dpa
Críticas à OUA
O caso do Saara Ocidental continua a ser uma exceção à política de não interferência da OUA. Mas essa posição também levantou críticas. Observadores protestaram contra o chamado "clube dos ditadores" na cimeira anual em Addis Abeba. Um dos poucos críticos na organização foi Yoweri Museveni, que se tornou Presidente do Uganda em 1986.
Foto: OFF/AFP/Getty Images
Atuação em conflitos
No início dos anos 90, a OUA introduziu uma nova política: África queria assumir a responsabilidade pelos seus conflitos. Por isso, criou o chamado "Mecanismo de Paz". No golpe militar no Burundi em 1996, a organização respondeu com sanções. Porém, o "mecanismo" mostrou-se frequentemente incapaz de atuar. Inclusive no genocídio no Ruanda.
Foto: ALEXANDER JOE/AFP/Getty Images
Quem espera…
Grande motivo de contentamento foi a adesão da África do Sul à OUA em 1994, três décadas depois do nascimento da organização. Entretanto, o país desempenha um papel importante em Addis Abeba – para alguns, demasiado importante.
Foto: picture alliance/landov
Uma nova era
Com o fim da Guerra Fria e do 'apartheid' na África do Sul, a OUA tentou começar de novo a partir de 1999. Isso proporcionou ao líder líbio Mouammar Kadhafi (aqui numa cimeira em 2006) uma boa oportunidade para trazer, de novo, à luz do dia a ideia pan-africana dos "Estados Unidos de África". Para a alcançar, Kadhafi utilizou também a sua riqueza, pagando as dívidas de vários estados-membros.
Foto: picture alliance/dpa
OUA torna-se União Africana
Mas Kadhafi não conseguiu que as suas ideias fossem para a frente. O seu plano contribuiu apenas para dividir opiniões depois do lançamento oficial da União Africana em 2002 na cidade de Durban, na África do Sul. O tratado fundador da União Africana prevê, como princípio orientador, o abandono da política de não interferência.
Foto: ALEXANDER JOE/AFP/Getty Images
Instituição sem poder
Ao criar as suas estruturas, a UA usou como modelo a União Europeia (UE) e propôs um Parlamento pan-africano. O órgão foi inaugurado em 2004, sendo constituído por 235 representantes de 47 países. O Parlamento fica na pequena cidade de Midrand, na África do Sul. A distância relativamente à sede da União Africana em Addis Abeba simboliza o limitado poder de influência do Parlamento.
Foto: F. Moalusi/AFP/Getty Images
Luta pela paz
No início do século XXI, conflitos violentos afetavam 20% dos africanos. O foco principal da UA foi, por isso, a paz. Em 2004, a organização criou um Conselho de Paz e Segurança, que está também autorizado a enviar tropas de intervenção. Nesse mesmo ano, a UA enviou soldados para a região sudanesa do Darfur para proteger a população civil. Os desafios continuam a ser muitos.