Ministro moçambicano violou Lei de Probidade Pública?
Leonel Matias (Maputo)
23 de outubro de 2017
Moçambicanos defendem afastamento do ministro Carlos Mesquita, após envolvimento num conflito de interesses em violação da Lei de Probidade Pública.
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Em Moçambique aumenta o coro de vozes que defende o afastamento do ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, após ter incorrido numa situação de conflito de interesses em violação da Lei de Probidade Pública.
Em causa está o facto do ministro ter assinado com um seu irmão dois memorandos que concedem facilidades à empresa Cornelder, concessionária dos portos moçambicanos da Beira e de Quelimane, no centro do país.
Os memorandos prevêm uma redução nas tarifas portuárias e na prestação de serviços de cabotagem que variam entre 40 e 60%.
A Procuradoria-Geral da República instou o Governo a anular os dois contratos, decisão que o ministro Carlos Mesquita disse já que vai respeitar.
Ouvido pela DW África o analista Tomás Vieira Mário considerou positivo o posicionamento da Procuradoria-Geral da República. "Penso que é um sinal encorajador de que é possível de facto construir uma ideia de separação clara entre os políticos e os negócios, nomeadamente se os negócios forem feitos na base de nepotismo, como neste caso".
Anulação dos contratos é insuficiente
Para o Centro de Integridade Pública, CIP, uma organização que advoga boa governação e transparência pública, a anulação dos contratos não seria suficiente para se dar o caso por encerrado.
Anastácio Bibiane, é pesquisador do CIP e afirma que "o que a Procuradoria Geral da República está a fazer é dar o impulso processual para a responsabilização administrativa do ministro." Bibiane adianta: "há um processo que deve ser aberto, se calhar até criminal, administrativo e até há-de haver uma responsabilidade política por parte do Presidente da República. Penso que o Presidente da República deveria politicamente tomar também a sua medida, que é exonerar o ministro porque ele vai sempre continuar numa situação de conflito de interesses, mesmo que se anulem os memorandos de entendimento celebrados entre o Governo e a empresa que ele é sócio".
Ministro deve ser afastado
O analista Tomás Vieira Mário defende igualmente que - como medida preventiva - Carlos Mesquita deveria ser afastado do cargo de Ministro dos Transportes e Comunicações. E explica porquê: "O fundamento dos que propõem que o ministro deixe a pasta baseia-se no facto de que o ministro dos Transportes e Comunicações é um empresário de longa data da área dos transportes e comunicações. Ele fundou empresas nessa área dos transportes e comunicações. Sendo titular dessa mesma área parece que é muito vulnerável a choques. Sempre que houver negócios nessa área da qual ele é titular e da qual é empresário é muito provável que esse tipo de conflitos se repita".Ainda segundo Tomás Vieira Mário, qualquer decisão que possa ser tomada contra o ministro seria de âmbito político e não legal, uma vez que a Lei de Probidade Pública não tipifica como crime a questão de conflito de interesses, devido a situações de parentesco. Acrescentou, por outro lado, que não caberia na figura do ministro a abertura de um processo disciplinar por se tratar de uma figura política.
Carlos Mesquita - Lei da probidade - MP3-Mono
Sem danos patrimoniais para o Estado
Por seu turno, o porta-voz da Comissão Central de Ética, Alfredo Gamito, veio a público afirmar que não vê razões para a responsabilização do ministro Mesquita, referindo como justificativa que o ato por si celebrado em nome do Governo não chegou a causar danos patrimoniais ao Estado e fê-lo por falta de experiência.
Anástacio Bibiano disse à DW África que o CIP repudia este posicionamento porque "no rol das competências da Comissão Central de Ética não se refere ao mesmo de fazer juízos de valor como tem estado a fazer, mas produzir deliberações".
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.