Jovens lançam petição pela descentralização de Guiné-Bissau
8 de outubro de 2020
Movimento de jovens guineenses lançou uma petição para exigir a descentralização do poder na Guiné-Bissau. Carlos Uissa, um dos mentores, defende a realização de eleições autárquicas dentro de dois anos.
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Os fundadores do Movimento de Jovens pelas Autarquias na Guiné-Bissau (MJPAGB) lançaram uma petição que reivindica a realização, dentro de dois anos, das primeiras eleições autárquicas no país. O objetivo é permitir o desenvolvimento do interior da Guiné-Bissau, a zona mais rica em termos de recursos naturais, mas a mais pobre em termos de governação.
Os jovens acusam os políticos de centralizarem tudo em Bissau para terem o monopólio da gestão, escravizando o povo do interior do país. A petição será entregue aos órgãos de soberania do país e aos principais parceiros de desenvolvimento, nomeadamente, à Organização das Nações Unidas (ONU), União Africana (UA) e a União Europeia (UE).
A DW África entrevistou Carlos Uissa, um dos mentores da petição, que defende que com as últimas presidenciais se fechou um ciclo eleitoral, devendo agora dar-se espaço para avançar para as eleições autárquicas.
DW África: Como é que os guineenses estão a reagir ao lançamento desta petição?
Carlos Uissa (CU): É uma petição que abarca com ela um projeto de desenvolvimento, porque a estabilidade política é necessária para a Guiné-Bissau. Tendo em conta a crispação política que existe há seis anos na Guiné-Bissau, com uma luta feroz e muitas vezes com palavras violentas, talvez seja algo que una os guineenses. Vejo pessoas da ala A e da ala B a assinarem a petição. Isso quer dizer que há vontade dos cidadãos guineenses de mudança para que haja realmente autarquias. No espaço de uma semana, assinaram [a peitção] pouco mais de 200 pessoas, isto só online. Vamos avançar para uma fase de [divugação no] terreno. Iremos aos bairros e às cidades para que possa haver uma adesão massiva.
DW África: Acha que os políticos não têm interesse em descentralizar o poder porque querem continuar a dirigir o país, não dando lugar aos jovens?
CU: A nossa Constituição prevê a descentralização do poder, mas na prática não existe essa vontade. Está em curso uma revisão constitucional, mas ninguém dá relevância à necessidade de descentralização do poder, porque os partidos políticos ganham com isso. Há um monopólio total de poder. Um partido que ganhe hoje as eleições na Guiné-Bissau nomeia o presidente de cada região e de cada setor. Por isso tem todo o interesse em manter essa centralização.
Há dois anos que não há nomeação de novos responsáveis para as localidades na Guiné-Bissau, porque há uma guerra tremenda entre os partidos que estão no poder no Governo de unidade.
DW África: Há denúncias de que o Estado não chega ao interior da Guiné-Bissau. Há quem diga que o Estado acaba em Safim. Por que motivo não se desenvolve o interior o país?
CU: O Estado não existe fora de Bissau. Hoje em dia, quando um partido ganha as eleições, indica quem vai governar certas regiões. Essa pessoa não tem um projeto de ligação com o local. Não existe um compromisso local e muitas vezes nem conhece a realidade desse local. O Estado acaba por ser ineficaz.
Um jovem que termine o 12.º ano em Canchungo, em Gabu, ou em outras regiões do país, é obrigado a migrar para Bissau. Mas e se o jovem não tiver condições económicas? É obrigado a largar os estudos. Como disse o pai fundador da nacionalidade guineense [Amílcar Cabral]: o desenvolvimento da Guiné-Bissau deve começar a partir do interior para a cidade. E disse outra coisa: os camaradas quando chegarem a Bissau vão querer viver como os colonos. Dito e feito: esta é a realidade da Guiné-Bissau.
Sumos, bolachas e até "bifes" para diversificar rendimento do caju
O caju é a principal fonte de rendimento dos produtores guineenses. A fim de estimular a economia, os produtores de Ingoré uniram-se na cooperativa Buwondena, onde produzem sumo, bolachas e até "bife" de caju.
Foto: Gilberto Fontes
O fruto da economia
Sendo um dos símbolos da Guiné-Bissau, o caju é a principal fonte de receita dos camponeses. A castanha de caju representa cerca de 90% das exportações do país. Este ano, foram exportadas 200 toneladas de castanha de caju, um encaixe de mais de 250 mil euros. A Índia é o principal comprador. O caju poderá trazer ainda mais riqueza ao país, se houver maior aposta no processamento local do produto.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no processamento
Em Ingoré, no norte da Guiné-Bissau, produtores de caju uniram-se na cooperativa Buwondena - juntamos, em dialeto local balanta - para apostar no processamento do caju. Antes, aproveitava-se apenas a castanha, desperdiçando o chamado pedúnculo, que representa cerca de 80% do fruto. Na cooperativa produzem-se agora vários produtos derivados do caju.
Foto: Gilberto Fontes
“Bife” de caju
Depois de devidamente preparado, o pedúnculo, que é a parte mais fibrosa do caju, pode ser cozinhado com cebola, alho e vários temperos. O resultado final é o chamado “bife” de caju.
A partir das fibras, produz-se também chá, mel, geleia, bolacha, entre outros. Ao desenvolverem novos produtos, os produtores diversificam a dieta e aumentam os seus rendimentos.
Foto: Gilberto Fontes
Néctar de caju
Depois de prensadas as fibras do caju, obtém-se um suco que é filtrado várias vezes, a fim de se produzir néctar e sumo. Com 50% desse suco e 50% de água com açúcar diluído, obtem-se o néctar de caju. Este ano, a cooperativa Buwondena produziu quase 400 litros desta bebida.
Foto: Gilberto Fontes
Sumo de caju
O sumo resulta da pasteurização do suco que foi filtrado do fruto, sem qualquer adicionante. Cada garrafa destas de 33cl de sumo de caju custa quase 0.40€. Ou seja, um litro de sumo pode render até 1.20€. O que é bem mais rentável que vinho de caju, produzido vulgarmente na Guiné-Bissau, que custa apenas 0.15€ o litro. Em 2016, foram produzidos na cooperativa quase 600 litros de sumo de caju.
Foto: Gilberto Fontes
Mel de caju
Clode N'dafa é um dos principais especialistas de transformação de fruta da cooperativa. Sabe de cor todas as receitas da cooperativa e só ele faz alguns produtos, como o mel. Mas devido à falta de recipientes, este produziu-se pouco mel de caju. Desde que se começou a dedicar ao processamento de fruta, Clode N'dafa conseguiu aumentar os seus rendimentos e melhorar a vida da sua família.
Foto: Gilberto Fontes
Castanha de caju
Este continua a ser o produto mais vendido pela cooperativa. O processamento passa por várias etapas: seleção das melhores castanhas, que depois vão a cozer, passam à secagem, ao corte e vão à estufa. As castanhas partidas são aproveitadas para a produção de bolacha de caju. Este ano, a cooperativa conseguiu fixar preço da castanha de caju em 1€ o quilo, protegendo os rendimentos dos produtores.
Foto: Gilberto Fontes
Potencial para aumentar produção
A maior parte dos produtos são vendidos localmente, mas alguns são comercializados também em Bissau e exportados para o Senegal. A produção decorre sobretudo entre os meses de março e junho, período da campanha do caju. No pico de produção, chegam a trabalhar cerca de 60 pessoas. Se a cooperativa conseguisse uma arca frigorífica para armazenar o caju, continuaria a produção depois da campanha.
Foto: Gilberto Fontes
Aposta no empreendedorismo
A cooperativa Buwondena aposta na formação a nível de empreendedorismo, para que os produtores possam aumentar o potencial do seu negócio. A cooperativa pretende criar uma caixa de poupança e crédito. O objetivo é que, através de juros, os produtores possam rentabilizar as suas poupanças e apostar noutros negócios.
Foto: Gilberto Fontes
É urgente reordenar as plantações
A plantação de cajueiros é outra das preocupações da cooperativa: uma plantação organizada, com ventilação é fundamental para aumentar a rentabilidade.
Devido ao peso do sector do caju na economia da Guiné-Bissau, todos os anos são destruídos entre 30 e 80 mil hectares de floresta para a plantação de cajueiros. Especialistas defendem uma reordenação urgente das plantações.