Livro reúne mais de 200 mensagens escritas por Madiba durante os 27 anos de prisão na África do Sul. Cartas revelam o pai, marido, e também advogado que se dirigia às autoridades sobre violaçõs de direitos humanos.
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Nelson Mandela escreveu centenas de cartas durante os 27 anos em que ficou preso em quatro estabelecimentos prisionais da África do Sul, desde 1962 até a sua libertação a 11 de fevereiro de 1990. Eram mensagens inflexíveis endereçadas às autoridades prisionais, a companheiros ativistas e a responsáveis governamentais e também à então mulher Winnie Mandela e aos seus cinco filhos.
As primeiras 255 cartas escritas por Mandela estão agora publicadas em livro a cargo da Porto Editora e acessíveis pela primeira vez em língua portuguesa. A obra "As Cartas da Prisão de Nelson Mandela" foi apresentada esta terça-feira (17.07) em Lisboa pelo embaixador Francisco Seixas da Costa e pelo jornalista António Mateus, que entrevistou o primeiro Presidente democraticamente eleito da África do Sul, galardoado em 1993 com o Prémio Nobel da Paz. O livro tem prefácio escrito pela neta Zamaswazi Dlamini-Mandela.
Segundo o jornalista António Mateus, trata-se de uma obra memorável que nos ajuda a perceber o percurso interior daquele que viria a ser o primeiro Presidente da África do Sul, entre 1994 e 1999.
"Quando ele foi preso, era uma pessoa profundamente diferente daquela que nós conhecemos quando foi libertada. Através das cartas, nós vemos como ele se foi destacando não só em relação aos outros presos e à maneira como trabalhou sua própria personalidade, mas também em relação ao profundo amor que ele tinha pela família. Nós podemos ver o ser humano de uma maneira rara, porque Nelson Mandela era uma pessoa muito reservada sob o ponto de vista íntimo", afirma o jornalista.
Combate à censura
O jornalista português, autor de "Mandela - A Construção de Um Homem", publicado em 2010, diz que neste livro está patente o pai, o marido, e também o advogado que se dirigia às autoridades prisionais, tentando fazê-las perceber a urgência de se respeitar os direitos humanos.
A maior parte das cartas, recolhidas pela investigadora e escritora sul-africana Sahm Venter em colaboração com a família de Mandela, são inéditas e não-censuradas. "Aquelas a que nós tínhamos acesso até aqui eram cartas recortadas pela censura. Aqui não, a maior parte está íntegra. Reportam-se a documentos que Mandela escreveu quando já tinha a noção daquilo que era passável ou não pelos censuradores da prisão e, por isso mesmo, torna-se um património da Humanidade para entendermos como nós também podemos transformar-nos no mesmo sentido que ele fez", diz.
Cartas da Prisão de Mandela publicadas em português
No presídio de Robben Island, na Cidade do Cabo, todos os manuscritos que entravam e saíam, dirigidos ou escritos pelos presos políticos, eram revistos pela censura, que cortava com x-atoos excertos com mensagens políticas ou críticas em relação ao sistema então em vigor na África do Sul.
A carta que mais surpreendeu António Mateus foi dirigida a Winnie Mandela a 1 de julho de 1971. "É uma carta onde ele diz à Winnie que, em momento algum, mesmo quando nós estamos feridos por agressões psicológicas ou físicas de pessoas, quem é líder deve sempre manter uma integridade de valores. Não se deve atropelar a si mesmo, não deve baixar a fasquia daquilo que tem por pilar de existência humana em retaliação ao que os outros nos fazem", conta.
Legado para futuras gerações
António Mateus diz que esses exemplos de integridade defendidos pelo então ativista anti-apartheid, que foi líder do Congresso Nacional Africano (ANC), são um legado para as gerações futuras. Na opinião de António Mateus, os atuais líderes e dirigentes africanos têm muito mais responsabilidade na felicidade futura dos seus povos do que as autoridades coloniais. "É sabido que as autoridades coloniais estiveram em África para ganhar melhor património material para si próprios e para as suas culturas. Mas já não entendo que autoridades pós-coloniais subvertam os sonhos dos respetivos povos", afirma.
O jornalista recorda que "Nelson Mandela era sempre frontal" e "assumia os seus próprios erros". Diz, a propósito, que ficou bastante esperançado quando o Presidente de Angola, João Lourenço, discursou recentemente no Parlamento Europeu. "Foi a primeira vez que ouvi um líder africano tornar-se credível depois de Nelson Mandela, ao dizer que 'nós, os líderes africanos, somos os primeiros responsáveis pelo desvirtuar dos sonhos dos nossos povos', tal como são as autoridades coloniais, nem menos nem mais", refere. "Já passou tempo suficiente para deixarmos de atribuir culpas ao passado", acrescenta.
António Mateus afirma que não dá elogios grátis "nunca" a nenhum líder africano. Mas argumenta: "Não tenho problemas em o fazer aqui desta feita. Em nome da felicidade do povo angolano é muito importante assumir posições como essa."
Para assinalar o centenário de nascimento do primeiro Presidente da África do Sul do pós-apartheid, Portugal realiza vários eventos desde sábado passado. Além de um festival musical, em Matosinhos, entre 18 e 20 de julho, que presta tributo a Nelson Mandela, a Câmara Municipal de Lisboa decidiu atribuir o nome do líder sul-africano a uma rotunda numa parte nobre da cidade portuguesa.
"Madiba", como era chamado com carinho e respeito pelos sul-africanos, faleceu a 5 de dezembro de 2013, aos 95 anos, tendo as Nações Unidas decretado o 18 de julho, data do seu nascimento, como "Mandela Day".
Nelson Mandela: Uma vida pela liberdade
Sorridente: assim a maior parte dos sul-africanos pensa em Mandela. Carinhosamente apelidado de "Madiba" (seu nome xhosa), foi símbolo da nova África do Sul, de paz e tolerância. No dia 18/7/2018 teria cumprido 100 anos.
Foto: Getty Images
Primeiro escritório de advocacia para negros
Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em 18 de julho de 1918 na província do Cabo Oriental, na África do Sul. Já durante os estudos de Direito, mostrava-se politicamente ativo, lutando contra o sistema de segregação racial apartheid. Em 1952, passou a trabalhar no primeiro escritório de advocacia do país dirigido por negros – que oito anos mais tarde seria consumido por um incêndio.
Foto: AP
Apartheid
O apartheid – a separação estrita entre negros e brancos na África do Sul, na época governada pela minoria branca – marcou a infância e juventude de Nelson Mandela. Seu pai lhe deu o nome Rolihlahla, que na língua xhosa significa "o que quebra ramos", ou, figurativamente, "agitador". A placa mostra uma "área branca" numa praia sul-africana.
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O boxeador
Na juventude, Mandela foi um entusiasta do boxe. "No ringue, classe, idade, cor da pele e prosperidade não representam nada" – assim ele explicava o seu amor pelo esporte. Mesmo durante os anos de prisão, ele se manteve em boa forma física. Treinamento com pesos, abdominais e flexões faziam parte de seu programa diário.
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Prisão perpétua
A polícia contém uma multidão reunida diante do tribunal onde se realizam as audiências contra Mandela e outros ativistas anti-apartheid, em 1964. No chamado Processo Rivonia, Nelson Mandela é condenado à prisão perpétua por suas atividades políticas.
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Décadas de confinamento
A vida em cinco metros quadrados: nesta pequena cela na Ilha de Robben, Mandela passa 18 de um total de 27 anos de pena. Ele é o detento número 46664. "Lá, eu só era conhecido como um número", comentou, após sua libertação em 1990.
Foto: cc-by-sa- Paul Mannix
A luta continua
Enquanto Nelson Mandela estava na prisão, outros faziam avançar a luta contra o apartheid, sobretudo a sua então mulher, Winnie Mandela (c.). Ela se tornou líder ativista contra o governo minoritário branco.
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Apoio mundial
No Estádio de Wembley, em Londres, promove-se em julho de 1988 um concerto beneficente por Mandela. Músicos de renome internacional celebram seu 70º aniversário e protestam contra a segregação racial. Cerca de 70 mil espectadores assistem no estádio às dez horas de show, outras centenas de milhares acompanham pela televisão o evento transmitido para 60 países.
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Enfim, livre
Após 27 anos de prisão, Nelson Mandela é libertado em 11 de fevereiro de 1990. Ele e a esposa Winnie erguem os punhos em sinal de orgulho pela luta de libertação negra contra o regime de minoria branca do apartheid.
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Retorno à política
De volta à liderança do Congresso Nacional Africano (CNA), em maio de 1990 Mandela inicia as primeiras conversas com o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk (e.). Juntos, eles preparam o caminho para uma África do Sul sem apartheid. Por esses esforços, ambos são laureados com o Prêmio Nobel da Paz em 1993.
Foto: AP
Companheiros de luta
Oliver Tambo (e) und Walter Sisulu (d) contam entre os companheiros mais próximos de Mandela. Em 1944, fundaram a ala jovem do CNA e organizaram manifestações contra o regime racista. Sisulu foi condenado à prisão perpétua, juntamente com Mandela; Tambo passou 30 anos no exílio, principalmente em Londres. Após 1990, todos os três ocuparam cargos de liderança no CNA.
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Posse como presidente
Em 10 de maio de 1994, a África do Sul escreve história: após as primeiras eleições livres e democráticas, Nelson Mandela é eleito primeiro chefe de Estado negro do país. Ele permanece no cargo até 1999, quando passa a presidência ao seu herdeiro político, Thabo Mbeki.
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Reconciliação em vez de vingança
Para esclarecer os crimes do apartheid, Mandela cria a Comissão da Verdade e Reconciliação em 1996. O arcebispo sul-africano e futuro Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu é indicado para presidi-la. A atuação da comissão não fica livre de críticas: muitas vítimas não conseguem aceitar que basta os criminosos admitirem seus atos publicamente para ficarem impunes.
Foto: picture-alliance/dpa
A caminho da Copa 2010
Em 15 de maio de 2004, a África do Sul é escolhida como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2010. Orgulhoso, Nelson Mandela ergue a taça. O país inteiro o aclama, em júbilo, como aquele que abriu os caminhos para o grande evento esportivo. Tratou-se do primeiro Mundial de futebol realizado em solo africano.
Foto: AP
Sombras sobre a Nação do Arco-Íris
Em 2008, a xenofobia e a violência eclodem em diversos bairros pobres das metrópoles sul-africanas. A brutal caça aos imigrantes leva à morte de várias pessoas. Muitos se perguntam: terá fracassado a "Nação do Arco-Íris" fundada por Mandela, em que todos deveriam conviver em paz?
Foto: AP
Da política à família
Nos últimos anos de vida, Nelson Mandela ficou mais afastado dos palcos públicos, recolhendo-se cada vez mais ao círculo familiar. Aqui, em 2011, ele festeja seus 93 anos, ao lado dos netos e bisnetos.
Foto: dapd
Funeral de Nelson Mandela
A 5 de dezembro de 2013, "Madiba" morreu em Joanesburgo. Dez dias mais tarde, teve lugar a cerimónia de despedida de Mandela na localidade de Qunu onde passou a sua juventude. Velas iluminaram um perfil do líder sul-africano. O luto foi universal: nos EUA, o então Presidente Barack Obama mandou hastear as bandeiras a meio mastro. Em 18 de julho de 2018, teria festejado o seu 100° aniversário.