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Carteiras escolares: Mais um escândalo que envolve elites

7 de maio de 2025

Luxoflex, pertença dos filhos de Filipe Nyusi, Margarida Talapa e Lúcia Ribeiro, tem dívida de quase 305 milhões de meticais ao BCI. Críticos ouvidos pela DW repudiam "promiscuidade entre o político e o judiciário".

Bildkombo | Filipe Nyusi, Margarida Adamugy Talapa und Lucia Ribeiro
Filhos de Filipe Nyusi, Margarida Talapa e Lúcia Ribeiro alegadamente envolvidos em novo escândalo em MoçambiqueFoto: O. Deml/CTK Photo/IMAGO/A. Zubiga/AFP/Getty Images/R. Paquete/DW

Um novo escândalo envolvendo elites políticas e da justiça está na ribalta em Moçambique. Um anúncio do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, datado de 26 de março deste ano, mas que foi tornado público esta semana, decretou uma ordem de execução à Luxoflex, Hipólito Michel Ribeiro Amad Ussene e à Mitra Energy. Em causa estão quase 305 milhões de meticais em dívida ao BCI.

A empresa de mobiliário pertenceria também a Claudia Nyusi, filha do ex-Presidente da República, e à filha da presidente do Parlamento.

Chamado a comentar o caso, o economista João Mosca diz que este escândalo não o espanta. Acrescenta, inclusive, que na sua opinião não se trata de "má gestão, mas de pura corrupção”.

João Mosca: Foto: DW/J. Beck

Segundo Mosca, "a má gestão nunca chega a esses níveis e não se deteta de qualquer maneira. Muitas vezes são empresas fantasmas, não têm gestão própria, não têm organização, não têm estrutura, não têm financiamento. Muitos destes casos que enumerei não acontecem em casos mal parados".

Ligações "promíscuas"

Mas o que mais afronta a sociedade são as ligações consideradas promíscuas entre os sócios ou próximos do negócio: o ex-Presidente Filipe Nyusi, a presidente do Conselho Constitucional (CC), Lúcia Ribeiro, e a presidente do Parlamento, Margarida Talapa.

Baltazar Fael, pesquisador da organização não-governamental Centro de Integridade Pública (CIP), alerta para a gravidade do caso, uma vez que, "se diz que uma das partes que tem uma ligação com esta empresa da senhora Lúcia Ribeiro, que é a presidente do Constitucional, é a filha da senhora Margarida Talapa, membro influente do partido FRELIMO".

"Houve eleições e nós sabemos que há suspeitas de que o Conselho Constitucional agiu mal. Este tipo de promiscuidades que acontecem entre filhos dos membros do judiciário e filhos de figuras proeminentes do partido FRELIMO é bastante grave quando depois temos eleições que nunca acontecem de forma transparente. Como também há uma falta de transparência quando este órgão tem de decidir, exatamente por estas promiscuidades", explica.

Baltazar Fael: "Este tipo de promiscuidades que acontecem entre filhos dos membros do judiciário e filhos de figuras proeminentes do partido FRELIMO é bastante grave" Foto: DW/A. Cascais

Este caso veio reacender as recentes polémicas relacionadas com a fraude eleitoral, em que Lúcia Ribeiro bateu o martelo a favor da FRELIMO, com quem teria as ligações empresariais, levantando suspeitas de imoralidade. Teria a senhora Ribeiro agido com idoneidade e imparcialidade?

Baltazar Fael considera que são "estas pessoas que criam espaço para que no país haja este clima de promiscuidade, para que seja gerido da forma muito má como está a ser gerido".

"De nenhuma forma podemos esperar que os processos eleitorais sejam transparentes enquanto há este clima de promiscuidade", insiste.

Ausência propositada de auto-regulação do topo do poder

Embora denúncias destas sejam uma constante, poucas vezes há responsabilização.

Para o investigador do CIP, não há dúvidas de que existe um adequado respaldo legal que penaliza esses ilícitos, incluindo a Lei de Probidade Pública que trata de conflitos de interesses e o Código Penal que trata de crimes de corrupção. Contudo, Fael aponta como cancro a promiscuidade entre o político e judiciário que impede a aplicação da lei.

O investigador denuncia ainda a falta de vontade de auto-regulação no topo do poder que permitiria a sua responsabilização:

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"Tanto o poder executivo como o judicial não têm normas específicas, as que existem são de caráter legal. Queríamos ver o Governo a ter um código de conduta que regulasse a atuação dos ministros. O que se faz em Moçambique é regular tudo de forma geral para apanhar o funcionário da baixa administração, mas eles, ao nível do topo, não se regulam e quando acontecem estas situações vemos que existem leis, mas quando vamos ao específico vemos que existe uma atuação diferenciada, porque os que estão na posição de topo não se querem auto-regular."

As carteiras chegaram às escolas públicas?

Em 2018, o então Presidente Filipe Nyusi entregou 90 mil carteiras a escolas da província de Nampula, produzidas pela fábrica da sua filha, Claúdia, gerando um conflito de interesses que não escapou aos olhos da sociedade.

Mas quem está no terreno entende que o objetivo não foi cumprido na totalidade. Baltazar Fael garante que, "se formos ao terreno, vemos que as crianças continuam a sentar-se no chão”. 

O investigador do CIP frisa que "a situação é muito grave”, uma vez que "os dirigentes ganham concursos bastante altos e depois não realizam o objeto do próprio concurso”.

"Tenho a perceção de que o país deve ser reiniciado, porque não existe nenhum ambiente para se desenvolver na forma em que ele se encontra. E as crianças estão a ser prejudicadas e vão continuar a sentar no chão. No entanto, de onde se sentam, quando levantam a cabeça, veem camiões a passar com toros de madeira. Isto dói muito para qualquer moçambicano".

Questionado sobre qual o possível desfecho do caso na justiça, o economista João Mosca não está otimista:

"Pagar os valores que são anunciados de uma só vez, duvido muito que essa tal empresa de carteiras possua. Se possui, já foi aplicado em algum sítio ou mandado para fora", diz.

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