Centenas de meninas que casaram antes da idade permitida por lei foram resgatadas nos últimos meses na província de Inhambane, sul de Moçambique. Um passo importante é reintegrá-las nas escolas, alertam especialistas.
Crianças têm feito marchas todos os meses para consciencializar sobre os casamentos prematurosFoto: DW/L. da Conceição
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A maior parte das meninas resgatadas vivem nos distritos de Jangamo, Panda, Govuro, Funhalouro e Mabote, zonas em que é comum a pobreza absoluta. Os casamentos precoces acabam por ser uma forma de os pais conseguirem dotes, que se traduzem em dinheiro, cabeças de gado, roupas e até bebidas alcoólicas, entre outras exigências.
Há várias organizações no terreno a resgatar raparigas que casaram antes da idade permitida por lei. Mas depois disso é preciso acompanhar os casos e reintegrar as jovens nas escolas, lembra Moisés Mutuque, gestor do projeto de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes e jovens da organização não-governamental Plan International em Inhambane.
Centenas de jovens resgatadas em Inhambane
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"É uma criança que faz parte de uma escola. Queremos fazer um trabalho de seguimento com a família onde a criança nasceu, com a famíla onde está casada e com o setor da educação, porque uma união prematura tem logo a seguir a consequência da gravidez", explica.
Muitas vezes, como forma de sobrevivência, as meninas são forçadas pela família a casar-se com jovens e homens nas comunidades. Mas também há casos de jovens que começam a namorar muito cedo e abandonam a casa dos pais para se casarem, ainda antes de atingirem a maioridade.
Henriques Bento conta que a sua filha foi obrigada a casar. No ano passado, os pais do suposto marido obrigaram a menina a fugir de casa, e, depois, ela ficou grávida. "Quando nós descobrimos, falamos com os pais porque a menina ainda é menor de idade. Fugiu daqui de casa (para se entregar ao jovem)", diz. Entretanto, a menina foi resgatada pela ONG Plan International.
Fatores culturais dificultam resgate
Olga Macupulane, presidente da Malhalhe, uma organização vocacionada para a promoção da rapariga nas comunidades, disse à DW África que o processo de resgate das meninas não tem sido fácil, sobretudo por causa de fatores culturais.
"Conseguimos resgatar algumas crianças que tenham tido uniões forçadas no passado, que possam voltar a escola. É um processo longo. Não é fácil porque tem a ver com questões culturais de cada comunidade como forma de dignificar a família. Nós podemos ter a lei que contrapõe isso, mais ainda temos muito que fazer", explica Olga Macupulane.
Centro Aberto ajuda órfãos a desenvolver competências laborais
Em Manica, centro de Moçambique, crianças e jovens órfãos podem aprender várias competências laborais num centro aberto para jovens e idosos. É uma forma de tirar os jovens das ruas e de lhes dar perspetivas de emprego.
Foto: DW/B. Jequete
Aprender para o futuro
Pita Tobias tem 17 anos. É órfão de pai e mãe e aprende carpintaria num centro para jovens. À DW África conta: "Estou a aprender carpintaria desde o início de 2015. Faço biscates, a concertar portas, janelas, cadeiras, fechaduras de portas, com os quais tenho ganhado dinheiro, para ajudar a minha avó em casa". O seu sonho é concluir, pelo menos, o nível médio de ensino e procurar emprego digno.
Foto: DW/B. Jequete
Novas oportunidades para jovens
Em Manica, o Governo moçambicano, através do Instituto Nacional de Ação Social (INAS), construiu um Centro Aberto para o Atendimento de Crianças Órfãs e Pessoas Idosas. O centro oferece cursos profissionalizantes para promover o auto-emprego e, consequentemente, tirar os mais jovens da rua e reduzir a mendicidade e criminalidade. Carpintaria, costura e agricultura são algumas das áreas ensinadas.
Foto: DW/B. Jequete
Futuros empreendedores
Este alpendre construído de pau a pique e coberto de plástico e capim é a "carpintaria". A carpintaria é um dos ofícios mais ensinados no centro. Alguns dos formandos mais crescidos dizem já ter conhecimentos suficientes para abrir o seu negócio, mas, como ainda não conseguem ter o próprio material, continuam a frequentar o centro.
Foto: DW/B. Jequete
Deixar a pobreza para trás
João Lucas, adolescente de 15 anos, decidiu abraçar o curso de costura. Já sabe coser uniformes, fatos de capulana, túnicas, entre outros modelos de roupa. "Esta peça que tenho nas mãos, fui eu que confecionei. Quero agradecer aos gestores e organizadores deste projeto porque nós, mesmo que não tenhamos emprego, sabemos fazer algo que nos dará dinheiro. A pobreza ficou para trás."
Foto: DW/B. Jequete
Trabalhar na indústria para depois abrir o próprio negócio
Abel Francisco, de 18 anos e órfão de pai e mãe, agradece ao Governo a oportunidade. Está perto de obter um certificado que lhe permitirá encontrar emprego mais facilmente. "Para alguns colegas foi difícil enquadrarem-se numa carpintaria industrial, por falta de certificado. Com o papel nas mãos, é fácil encontrar emprego. Gostava de trabalhar para conseguir o meu material e ter o meu negócio."
Foto: DW/B. Jequete
Aprendizagem a passo-e-passo
Isabel Caetano, adolescente de 14 anos, já aprende a costurar há 14 meses e conta que já sabe, pelo menos, fazer botinhas e chapéus para recém-nascidos. "Outro tipo de peça de roupa, poderei aprender com o tempo. Por agora tenho de saber costurar roupa para recém-nascidos com perfeição."
Foto: DW/B. Jequete
Boa estratégia governamental
Saene Francisco Sabonete, de 48 anos, é formado na área da carpintaria e tem mais de duas décadas de experiência. É o instrutor dos órfãos no centro. "O Governo pensou numa boa estratégia, ao dar ferramentas básicas para o auto-emprego, visando acabar com mendigos e vulnerabilidade. O que nos inquieta é a falta de material. O que existe é insignificante para o número de crianças."
Foto: DW/B. Jequete
Criar emprego
Com o valor que consegue na venda de produtos feitos por ele e biscates, Alberto Francisco investe na compra de material de carpintaria. Segundo o próprio, "chegou o tempo do desmame e de dar oportunidades a outros" que também podem beneficar da formação. "A minha ideia é abrir a minha carpintaria e contratar alguns aqui do centro. Será uma valia para mim e para eles."
Foto: DW/B. Jequete
É necessário mais material
De visita ao centro, Maria Glória Siaca, diretora-geral do Instituto Nacional de Ação Social (INAS), foi recebida com inúmeros pedidos de material para aumentar o número de cursos profissionalizantes. "Estamos a encetar contatos com parceiros visando a compra de mais materiais", respondeu a dirigente.
Foto: DW/B. Jequete
Exploração infantil ainda existe
Enquanto algumas crianças aprendem vários ofícios, outras realizam trabalhos que não são adequados à sua idade. Há crianças em Manica que ainda são usadas em trabalhos forçosos, o que viola os seus direitos. Por desconhecimento ou receio, as crianças não agem em sua defesa e cingem-se a cumprir ordens. O trabalho infantil é punível por lei.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de formação pode levar ao mundo do crime
Infelizmente, a formação promovida pelo centro não chega a todos. Há crianças de rua em Manica que, para além de mendigar, por vezes seguem o caminho do crime. Algumas praticam pequenos furtos, outras são enganadas por bandidos perigosos e levadas a assaltar residências. O Governo prometeu acabar com este cenário, mas é um processo lento.
Foto: DW/B. Jequete
Crianças de rua
Os rapazes desta imagem dizem não sair da rua. Alguns têm famílias mas preferem viver naquelas condições. Dormem em passeios, cobertos com caixas, sacos e cobertores apanhados em lixeiras. Dizem ter fugido de casa porque a comida não chegava para todos ou por vingança aos pais. De dia, fazem biscates, como lavar viaturas, para ganhar dinheiro para se alimentarem.