Caso Anastácio Matavele: Seis polícias condenados a prisão
Carlos Matsinhe (Xai-Xai) | cvt | Lusa
18 de junho de 2020
Tribunal condena assassinos do ativista social a penas que variam de três a 24 anos de prisão. Condenados terão de pagar indemnização à família. Dois réus foram absolvidos. Estado saiu ilibado.
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Na leitura da sentença esta quinta-feira (18.06) no Tribunal Judicial da Província de Gaza, a juíza Ana Liquidão disse que ficou provado em tribunal o cometimento de diversos crimes pelos seis polícias condenados, como homicídio qualificado, associação delinquente e falsificação de documentos.
Assim, Alfredo Macuacua, Tudelo Macauze e Edson Silica foram condenados a 24 anos de prisão maior. Euclides Mapulasse pegou 23 anos em regime fechado, enquanto aos réus Januário Rungo e Justino Muchanga coube a pena de três anos de reclusão.
Os seis polícias condenados pertencem à Unidade de Intervenção Rápida (UIR), polícia de elite moçambicana.
Caso Anastácio Matavele: Seis polícias condenados a prisão
O tribunal imputou aos réus o pagamento de uma indemnização de 1,5 milhão de meticais (correnpondente a cerca de 19 mil euros) à família da vítima e isentou o Estado Moçambicano do pagamento de uma indemnização de 35 milhões de meticais (cerca de 446,6 mil euros) que haviam sido pleiteados pelos advogados de acusação.
Ana Liquidão sustentou que os arguidos agiram por "conta e risco próprio e não ao serviço do Estado", sendo por isso improcedente o pedido de ver o Estado responsabilizado pelo homicídio a título civil.
O arguido Ricardo Manganhe foi absolvido dos crimes em referência e de responsabilidade civil, por insuficiência de provas. E o edil de Chibuto, Henrique Machava, dono da viatura usada para o assassinato, também foi isento de responsabilidade na morte de Anastácio Matavele.
Um outro polícia acusado de participação no homicídio, Agapito Matavel, é alvo de um processo autónomo, por se encontrar foragido.
Dois agentes da corporação, Nóbrega Chaúque e Martins William, morreram quando a viatura que transportava os acusados capotou, durante a tentativa de fuga do local do crime.
O filho da vítima, Ercílio Anastácio Matavele, acompanhou o julgamento.
Reações da defesa
Entretanto, Elísio de Sousa, advogado de defesa de alguns dos arguidos, vê "grandes lacunas" no processo, o que, segundo ele, levou a um julgamento no qual venceu a pressão da sociedade civil.
"A meritíssima juíza acabou sentindo alguma pressão.[...] O próprio processo em si, a celeridade com que chegou a esta fase, notou-se que já havia uma pré-sentença e agora que assistimos a esta leitura, notou-se que é como se o julgamento não tivesse ocorrido", critica.
Elísio de Sousa acrescenta que vai recorrer da sentença no Tribunal Superior de Recursos e diz acreditar que a decisão desta instância será mais ajustada, por ser menos vulnerável à pressão social.
Já Noé Sitoe, outro advogado de defesa, refere que a absolvição dos seus constituintes significa que foi feita a justiça.
"Estive neste processo a defender dois réus que ficaram absolvidos. Conforme a defesa escreveu, [o arguido] não sabia daquela missão por isso não pode lhe ser imputada qualquer que seja a responsabilidade. Então, assim, a nossa missão foi cumprida", comemora.
Indemnizações insuficientes
Por seu turno, o advogado da família da vítima, Félix Mucache, pondera recorrer da isenção da responsabilização do Estado moçambicano do pagamento dos 35 milhões de meticais de indemnização requeridos. Tudo depende da família do ativista social Anastácio Matavele, sublinha.
Félix Micache contestou ainda a indemnização determinada pelo tribunal para os condenados, recordando que a família pretendia uma compensação de 35 milhões de meticais (446,6 mil euros).
"Pode ver a diferença que está aí, 35 milhões que havíamos solicitado para um 1,5 milhão e quem vai pagar são apenas os réus. Nós queríamos que fosse o Estado. Se a família sentir o que sinto, certamente vamos recorrer", garante.
O então diretor-executivo do Fórum das ONGs Nacionais e observador da Sala da Paz, Anastácio Matavele, foi assassinado a tiros em outubro passado depois de orientar uma reunião ligada à observação das eleições gerais na cidade de Xai-Xai.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.