Caso Chang: Dinheiro dos impostos para contestar recursos?
Milton Maluleque (Joanesburgo)
31 de julho de 2019
Governo moçambicano contratou firma de advogados para se opor a recursos de ministro sul-africano e de Fórum de Monitoria do Orçamento e impedir extradição de Chang para EUA. Sociedade civil pergunta: porquê?
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Denise Namburete, coordenadora do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), não entende como é que o Governo moçambicano pode usar dinheiro dos impostos dos contribuintes para defender um antigo ministro, acusado de crimes financeiros.
"O cidadão tem estado a perguntar porque é que o Governo de Moçambique está a interceder a favor de Manuel Chang. Manuel Chang já não é membro do Governo, não é membro da Assembleia da República", lembra Namburete.
Ministro moçambicano "não sabia"
O Governo moçambicano anunciou, na terça-feira (30.07), que contratou a firma de advogados Mabunda Incorporated, com sede em Bedfordview (arredores de Joanesburgo), para intervir em seu nome no sentido de persuadir o Tribunal Superior de Joanesburgo a não alterar a recomendação de Michael Masutha, antigo titular da pasta da Justiça, de extraditar Manuel Chang para Moçambique.
Caso Chang: Dinheiro dos impostos para contestar recursos?
O desejo está expresso numa carta enviada às três partes envolvidas no caso da extradição do ex-ministro das Finanças de Moçambique.
"Recebemos instruções para intervir em nome do Governo moçambicano para opor o pedido apresentado pelo Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), o pedido do ministro da Justiça e Serviços Correcionais, e submeter um novo pedido para a extradição do Sr. Chang para Moçambique", lê-se na carta enviada por e-mail aos advogados de Manuel Chang, do FMO e do Estado sul-africano.
Joaquim Veríssimo, ministro moçambicano da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, assegurou que foram jornalistas que o informaram, em primeira mão, da contratação da firma de advogados: "Eu não me posso pronunciar sobre uma matéria que não conheço, e é uma matéria processual, pelo que abstenho de comentar em matérias desta natureza. Não sei de nada", afirmou.
Abre-se um precedente?
Mas, para António Muchanga, deputado pela bancada da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), maior força da oposição, esta "é a demonstração de que este Governo está efetivamente dentro do assunto das dívidas ocultas, apoia a corrupção."
"Agora, a questão é: qual é o interesse do Governo moçambicano nisto, sabendo que o Governo moçambicano não está em condições de trazer Boustani para Moçambique, e não está em condições de trazer os banqueiros para Moçambique [suspeitos no processo das dívidas ocultas]?", acrescenta Muchanga.
Denise Namburete, do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), questiona se o Governo estará disposto a fazer o mesmo noutros casos: "Será que o Governo de Moçambique vai interceder nestes termos tratando-se de todo e qualquer indivíduo, cidadão moçambicano, preso noutros países? Estamos a abrir precedentes, querendo dizer que o Governo vai passar a agir desta forma?"
O caso Chang é ouvido a 13 de agosto no Tribunal Superior de Joanesburgo. Manuel Chang parte para a segunda temporada de audiências sem a imunidade parlamentar, depois de renunciar ao mandato de deputado, algo que poderá enfraquecer o argumento de que Chang não seria detido caso fosse extraditado para Moçambique.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)